Duas vozes discutiam na minha cabeça, apesar de não ver os interlocutores: – Vai menino, anota aí! — Mas quem está ditando sou eu!!! – Sim, mas quem está passando para ele sou eu!!
— Epa, epa, espera aí. Se decidam gente; gritei em voz alta na minha mente – se é que isso é possível.
– Viu como são as mulheres, menino? Sempre querem mandar em nós. Não aceita!
– Você, seu latagão. Deixa que me entendo com o moleque! Faz tua parte e não te imiscui.
– Vamos lá moleque, anota aí. Passa para o papel e publica. Vou te chamar de moleque tá. Este “ser” que é o periodista oficial, e que está preso no século XVIII te chama de menino, não é. Então, chamar-te-ei de moleque, tá bom?
— Claro Senhora, como quiser. Explico: No início desta matéria, o periodista oficial do além que nos dita os textos, trouxe uma Senhora que também faz parte da organização dos Exus, e que também passará a nos brindar com seus comentários. A Sr.ª. Maria Molambo da Encruza. Porém, a moça que é um tanto tempestuosa…
— Hoje estive passeando pelas ruas de vossa cidade. Cruzei com diversas pessoas que, apesar de perdidas, guardavam um brilho a mais no olhar. Estas, como se por um milagre, também suas vestes tanto espirituais, como as roupas em si tinham um pouco mais de decoro. Não gosto de mulheres vulgares, elas não sabem o que é ser mulher. Estas senhoras, as decorosas, as segui, estudei-as, e vi que antes de tudo seu coração estava onde deveria estar: Em Deus, nos filhinhos, no esposo, no lar e suas obrigações. Andavam pelos comércios, alguns risos com amigos, mas suas preocupações estavam em servir. Já repararam que as mulheres, apesar de não agirem com consciência hoje, mas por instinto sempre estão servindo?
Mas também reparei em algumas indecorosas: suas mentes, assim como suas vestes espirituais e roupas tem algo sem pudor, são opacas como seus pensamentos, e apenas querem saciar seus instintos mais baixos tanto quanto possível. Se deixaram levar pelo espírito do mal destes tempos. Seu palavreado é chulo, cabelos esquisitos, roupas esquisitas. Unhas comparáveis àquelas da senhora La Voisin (famosa bruxa do século XVII), aliás comparáveis em tudo. Buscam a todo preço modificar o corpo, agem por ele e para ele.
Moleque, não te assusta. Não tenho trava na língua. Se não suporta meu raciocínio, diz logo que vou embora. (A moça não é de brincadeira. Foi apenas a sensação que tive, e a distinta senhora captou. Que espírito é esse que lê pensamentos e capta sentimentos?)
— Descrevi algo sobre a mulher porque quero dizer quem é Pomba-gira: não escreveram já que somos a sedução, o “poder” feminino? E os idiotas que escreveram isso acham que poder feminino vem do sexo apenas? Do poder de sedução? Ah, santa paciência me é necessária! Inclusive, alguns pensadores que vocês dão honras e glórias, que são quase contemporâneos meus de quando encarnada, não legaram que os escolásticos nos viam como inferiores? Quantas coisas distorceram, quanta mentira. Não é à toa que um deles, e fiquei sabendo nas bandas de cá (a escritora se refere ao astral) que Michel Foucault disse ter mentido mais que o diabo. Quanto trabalho teremos, quanto trabalho…
Prestem atenção: Pomba-gira é apenas uma corruptela que inventamos, só isso, porque não podemos mais utilizar nosso nome de encarnadas quando passamos a atuar na Umbanda. É da lei de Umbanda isso e lei se cumpre, não se discute nem se interpreta a bel-prazer. Está escrito e sancionado. Já confessei que me chamei quando encarnada Ana Rita, apenas porque me foi permitido e tem um propósito maior, que entenderão logo, não hoje. Pomba-gira representa o poder da intercessora, da mulher em sua plenitude de mãe e provedora da família. Sabem o que é isso? Não sabem né, seu tempo não quer mais esta instituição, então a mulher deve ser destituída de seu cargo legado por Deus. Querem uma nova mulher, aquela que é apenas o objeto de satisfação, que tenta imitar o homem, pois quer prover o alimento, o que não é sua atribuição; quer independência, o que não é o projeto do Criador, pois um complementa o outro, homem – mulher.
Estamos para Exu, assim como Exu está para nós. Somos a representação da instituição que vocês querem dispensar. Sabes quantos filhos tenho aqui no astral? Sabes que tenho marido? Sabes que provenho família, além da família de encarnados que guardo na terra? Quem tem Pomba-gira e Exu, que realmente os cultua e tem, possui a plenitude da família.
Guardo as mulheres que buscam ser mulheres plenas, ajudo aquelas que querem mudar, intervenho nas famílias desestruturadas e vibro aquilo que meu nome de guerra me inspira: MARIA Molambo. Me inspiro em Maria Santíssima, peço a interseção dela em meu favor, para que eu seja instrumento da Mãe da humanidade. Não somos promíscuas. Nós Pomba-giras de Umbanda somos mulheres que querem o bem das mulheres. E entendam, mulher é sinônimo de santidade, de renovação da vida, de continuidade da espécie humana. Mulher é companheira, criada para andar ao lado do homem, nem a frente, nem atrás, a provedora da família. O homem é provedor do alimento, tanto para o corpo como do espírito. O lar de um casal onde encontramos no escritório do esposo, uma mesa extra ou o cesto de trabalho da esposa, onde o amor sabe planar e ficar em silêncio, é uma imagem de trabalho daqueles que comungam da vida no espírito. Ah, na vida dos cristãos há tantas belezas, tanto amor e felicidades a se colher. Sabe, realmente não entendo mais os encarnados, espero ainda ficar um bom tempo do lado de cá.
Com lembranças particulares, Maria Molambo.
— Pronto menino, a Senhora já foi. Encerramos aqui esta edição.
Como intérprete permaneci pasmado. Também fiz parte até hoje daqueles que imaginavam Pomba-gira representar apenas a sedução. Obrigado Molambo.
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