Conheci Conceição em meados do século XIX. Mulher séria, bela, fina e recatada. Em existência anterior, era de nacionalidade russa. Muito nova, foi iniciada na prostituição, algo comum na Rússia do século XVIII. As moças de famílias pobres, contando com pouco mais de 12 ou 13 anos, eram forçadas a trabalhar em casas do tipo para obter alguma provisão. Viviam uma vida parecida com mariposas, pois durante o dia passavam ou trancadas em quartos escuros nos prostíbulos – para não serem descobertas pela perseguição estatal – ou aventuravam-se nas ruas, disfarçadas, para tentarem chegar às suas casas e visitar familiares.
Deixou o corpo físico nesta miserável existência aos 21 anos, acometida de sífilis. Confidenciou-me que, na ocasião, seu corpo foi desovado em sacos e destinado ao lixo comum, para não levantar suspeitas. Aliás, este era o destino da maioria das moças que se aventuravam a esta vida na “Mãe Rússia”.
Reencarnou no Brasil do século XIX, uma carioca como eu; todavia, não com a mesma sorte. Conceição, mais uma vez, foi submetida à vida mundana à qual teve na pátria anterior.
Nascida em berço de ouro, filha de coronel brasileiro, aventurou-se a amar quem lhe era proibido. Os casamentos arranjados da época eram quase sentenças às mulheres. Era preciso unir fortunas e expandir o poder familiar; este era o pensamento de então. Conceição foi desmascarada; seu amor proibido foi descoberto. Seu amante deixou a existência pela mão do carrasco empregado do coronel. Conceição foi expulsa de casa e deserdada da família, lavando assim a honra da mesma.
Conceição desencarnou doente, mais uma vez, por febre e desnutrição. Brasileira de alma e coração, decidida a mudar a vida das mulheres, organizou no astral sua falange, para mudar este estado de coisas. “A família é importante, assim como o casamento” – nos diz Conceição. “Contudo, deve nascer do amor, da afinidade, do bem-querer, da renúncia de ambos, tanto do marido quanto da mulher. Casamento não nasce para dar certo ou errado. É uma construção, e como tal, deve trabalhar todos os dias para seu êxito”.
Conceição ou Pomba-gira Maria Padilha é hoje a chefe de falange mais importante no plano astral, dentro da instituição Exu. Jamais conheci mulher de tanta coragem e fibra, comparada somente àquela que todos bem conhecem, principalmente os gaúchos de nossa pátria, chamada de Anita Garibaldi (Ana Maria de Jesus Ribeiro), a heroína de dois mundos. Espero um dia conhecê-la; ainda não tive este privilégio. Conta-se aqui que guerreava prenha, deu à luz sozinha, escondida no matagal à espera do marido, Guiuseppe, que levou dias para encontrá-la em meio à guerra. Ah, se as mulheres de hoje tivessem só um pouquinho das “Conceições” ou das “Anitas”. . . Que mundo melhor teríamos. . .
Mui respeitosamente.
Ana Rita.
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