Estava tomando fôlego e em busca de inspiração para começar estes escritos. Escrever sobre os Guias, Mentores e Protetores de Umbanda sempre é um desafio, mesmo se convivendo com estes espíritos já a um bom tempo. O fato é que estas informações chegaram até nós. Como? Bem, isso é o que menos importa…
– Salve moleque, vamos escrever?
— Salve Senhora. Que bom servir, ser útil de alguma forma, meditava sobre isso para começar estes escritos! Claro, quando quiser.
— Que bom ouvir isso. Esta é a maior realidade que podes refletir. Ser útil é saber sua missão na Terra. Muitos já me perguntaram: Como saber minha missão? Simples. Apenas pergunte a si: O que eu, e somente eu posso fazer e que fará a diferença no meio onde estou? Esta é, sem dúvida, a melhor forma de saber sua missão. Mas, vamos ao trabalho.
Vou adverti-los que os fatos a seguir não serão completos, porque nem eu mesma os conheço – ou não tenho lembrança – por completo. Regressarei algumas reencarnações para entenderem todo o contexto. Saibam que o regresso a reencarnações passadas não é de acesso a todos os espíritos, limitados ao conhecimento de uma ou duas existências passadas, sendo outras bloqueadas e só sendo descortinadas com o tempo e conforme as necessidades. No meu caso, volto a encarnação que foi chave para toda minha decadência como espírito imortal, e a partir dela, todo um desencadeamento de encarnações posteriores que me foram impostas para saudar dívidas contraídas. Porém, o fato é que a cada nova encarnação, reincidia em erros já cometidos e o resultado eram mais dívidas.
Pois bem, após este velho espírito tomar fôlego, vamos passear no Império Novo do antigo Egito. Parece estranho este jogo de velho e novo, mas para mim parece que foi ontem. Quando conseguirem adquirir esta noção, de que não sabeis quando iniciou e nem sabes quando terminará, será de grande utilidade para sanar vossas ânsias e medos, a verdadeira noção de eternidade.
O ano era aproximadamente 1190 antes da era cristã. Permitam omitir nomes e datas exatas, não fará diferença. Eu era então uma grande sacerdotisa do deus Amon. Não era a rainha, esposa do faraó, não confundam. Esta, sim, possuía o título de mão divina, de esposa, adoradora do deus. Eu atuava como seu braço direito, ou, na linguagem atual, era sua suplente. Permitam acrescentar, que o propagado hoje com relação às religiões do antigo Egito não são tão fidedignas, mas posso afirmar que já nesta época, elas davam amostras de decadência. O verniz de alguma moralidade desmoronava com a mais fraca provocação, e a religião já não expressava todo o poder que ostentara em épocas mais remotas.
Existiam ainda entre os letrados da época crenças particulares, que expressavam concepções elevadas e espirituais da Divindade, quase um mais puro monoteísmo. Concepção de poucos é verdade, mas suas ideias religiosas despertavam a ira tanto das massas quanto dos sacerdotes, apegados a concepção dos deuses. Enfim, se este existia, eles eram o ponto alto que o egípcio individual conseguia alcançar em suas concepções espirituais.
Contudo, não era o meu caso, nem da nossa casta de sacerdotes e sacerdotisas. Ali a continuidade dos ensinamentos religiosos era mais aparente que real, externa, não interna. Imaginem quando estes ensinos chegaram a Roma. Lá, embora os primeiros imperadores construíssem templos nas linhas antigas e permitissem ser retratados nas roupas de faraó, fazendo oferendas a deuses que nem o nome poderiam pronunciar, eram os suspiros finais disso tudo, e o prenúncio do Salvador. Desculpem, me alonguei nisso, não tem importância, não é?
– Tem, sim, nobre Senhora. Desculpe, mas me atrevo chamá-la assim. Quanto conhecimento hein? Quantas lembranças…
— Não te acanhes. Senhora é respeitoso, e devemos respeito mútuo reciprocamente, vivos e mortos não? Vamos adiante!
Por ser sacerdotisa de um culto que era extremamente sexual, acostumei-me a questão. Eu era alguém que realizava desejos e “desejos”, pois, coitado daquele que não cedesse aos meus. Fui concubina de muitos figurões da época. Ajudava-os com seus desafetos, fiz um punhado de gente fazer a viagem para o mundo dos mortos antes da hora, aliás, eu decidia a hora. Tinha o conhecimento do preparo de poções que envenenavam com muita facilidade, e bastava que um dos meus amantes solicitasse que era prontamente atendido. Por que fazia isso? Bem, não preciso dizer que esta situação não era lícita para mim como sacerdotisa. Arriscava-me em manter encontros com meus amantes, e acima de tudo, poderia ser severamente castigada por utilizar de meus conhecimentos para solução dos seus casos. Mas tudo isso, além da satisfação que sentia em ser importante e desejada, pois minha beleza sempre foi um atributo a meu favor, gozava de certas regalias. A sensação de poder que desfrutava fazia meu ego subir aos céus, e este, sem dúvida, é um caminho perigoso e sedutor. Presencio muitos de vós caindo nesta armadilha. Mas, o fato é que tramei a morte de muitos, inclusive de figuras importantes em Karnak. Tudo isso condenou-me ainda em vida e no pós-morte.
Ainda encarnada, quando a beleza já não reinava em meu corpo como outrora, o desejo não satisfeito e a perca de posição, fizeram com que me sentisse a pior das mulheres. Os malditos piolhos que eram como ervas daninhas em nosso reino tomaram conta de mim. A depressão que passei a sentir, sem conseguir consertar as coisas com minha magia, fizeram com que uma ideia fixa se apossasse de mim. Acreditava que meu título de sacerdotisa me garantiria no outro mundo, e o suicídio parecia uma saída digna. Quanto engano… Eu havia feito tudo certo: Todos os ritos para garantia de minha entrada no mundo dos mortos foram devidamente feitos por mim antes de tirar minha vida, porém, ao finalizar o ato com um punhal, o desfecho foi outro. . .
Continua…
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