Autor: Michael Pagno

  • Os erros da Rússia

    Os erros da Rússia

    Por Maria Madise – tradução: equipe da Tenda Xangô 7 Raios

    O papel do gigante russo no palco geopolítico não pode ser ignorado. Mas desde que a guerra com a Ucrânia eclodiu em fevereiro de 2022, mesmo aqueles no Ocidente, muito além das fronteiras da Rússia, estão vivos para sua presença de uma forma ou de outra.

    Nos últimos dois anos, um número crescente de conservadores ocidentais e católicos se tornaram mais simpáticos à Rússia e à sua atual liderança do que aos seus próprios governantes. O povo mais conservador, cansado da crise de autoridade no Ocidente e desdenhoso de seus líderes liberais, tanto políticos quanto eclesiásticos, vê em Putin (pelo menos) um homem de autoridade, com uma visão para sua nação, quaisquer que sejam suas falhas. Diante dos ataques incansáveis à fé e à moral cristãs no Ocidente, eles estão preparados para ignorar quase mil anos de cisma, concentrando-se no reservatório de valores cristãos que eles vêem na ortodoxia russa. No entanto, é a fraqueza do Ocidente, não a força do Oriente, que promove tais inclinações.

    Além disso, a Ortodoxia Oriental parece sofrer com o tipo de tensão interna dolorosa também experimentada pelos católicos no Ocidente. Em um ensaio recente, “Quem guarda os Guardiões?”, o Dr. John Behr, Regius Professor de Humanidade da Universidade de Aberdeen, discute as razões por trás da relutância dos líderes ortodoxos em desafiar a ideia de Russkii mir, promovido pelo Patriarca Kirill de Moscou por meio de uma “guerra santa”, mais recentemente no Conselho Mundial do Povo Russo em 27 de março. Citando o arquidiácono John Chryssavgis, o Dr. Behr se pergunta se sua relutância vem de “um reconhecimento agonizante, embora não declarado, de que eles também são fundamentalmente atormentados pelas mesmas vulnerabilidades e falhas. Eles também podem ser marcados como hereges.” O arquidiácono Crissavgis continua a perguntar: “Quantas Igrejas Ortodoxas tendem à glorificação da nação e do Estado? Quantas nações antídoas confundem a adoração a Deus e saudaram a bandeira? Poderia ser que a maioria, se não todas as Igrejas Ortodoxas, estão de fato muito mais próximas do que poderiam admitir à ideologia russa pervertida?

    Como uma situação cada vez mais complexa é jogada no cenário mundial, somos chamados a nos elevar acima de um ponto de vista meramente geopolítico e aspirar a uma perspectiva sobrenatural. A aparição de Nossa Senhora em Fátima na véspera da Revolução de Outubro de 1917 não pode ser separada de tal perspectiva.

    Nossa Senhora veio para alertar contra o comunismo

    Na Páscoa, em maio de 1917, a Primeira Guerra Mundial fez a Europa se assemelhar a uma antecâmara do inferno, como o historiador americano Warren Carroll observou em seu excelente pequeno livro, 1917.2 O Papa Bento XV falou de um “suicídio de Europa civilizada” e apelou à Rainha da Paz em 5 de maio, nas seguintes palavras:

    “Para Maria, então, que é a Mãe da Misericórdia e onipotente pela graça, que o apelo amoroso e devoto suba de todos os cantos da terra – de templos nobres e mais ínfizes capelas, de palácios reais e mansões dos ricos como da cabana mais pobre – de planícies e mares ensinados de sangue. Que suporte a Ela o grito angustiado de mães e esposas, o lamento de pequeninos inocentes, os suspiros de todo coração generoso: que sua solicitude mais terna e que a paz peça seja obtida para o nosso mundo agitado.

    Oito dias depois, em 13 de maio, ela entrou em pessoa, aparecendo em um campo da Cova da Iria para três pastorinhos, Lúcia e seus dois primos, Jacinta e Francisco. Ela lhes deu instruções para realizar o triunfo de Seu Imaculado Coração, para que um período de paz pudesse ser concedido ao mundo devastado pela guerra. Primeiro, a oração – mais particularmente o Santo Rosário; segundo, reparação pelos pecados e ultrajes perpetrados contra os Santos Corações de Jesus e Maria; e em terceiro lugar, ela revelou que a Rússia deveria ser consagrada ao Seu Imaculado Coração.

    “Se meus pedidos forem atendidos”, disse Nossa Senhora, “a Rússia se converterá e haverá paz; se não, ela espalhará seus erros por todo o mundo, causando guerras e perseguições à Igreja. O bem será martirizado, o Santo Padre terá muito a sofrer, várias nações serão aniquiladas.

    A consagração da Rússia em tempo hábil provou ser uma tarefa difícil, levando a uma controvérsia considerável nos anos seguintes. Quaisquer que sejam os méritos que possam ser atribuídos às tentativas aparentemente incompletas ou atrasadas da consagração, não se pode negar que a Rússia espalhou seus erros por todo o mundo e, até o momento, não se converteu.

    O principal erro da Rússia é o comunismo – um projeto revolucionário para construir um mundo sem Deus, que conquistou território mais a oeste do que o Exército Vermelho jamais poderia. A disseminação do ateísmo material, o colapso das normas morais e a sanção legal do aborto e da homossexualidade – pecados que clamam ao céu por vingança – são todos evidências de seu sucesso. Sua afronta a Deus é provada pela intervenção de Nossa Senhora. Em 1917, ela não desceu do céu para condenar a maçonaria, o globalismo ou o islamismo. Ela veio para condenar o comunismo.

    A propagação de erros através da Rússia

    O objetivo do comunismo era redefinir todas as estruturas sociais para excluir Deus. E para fazer isso, teve que primeiro abolir a família, o que reflete a ordem divina.

    A família é onde a vida humana é gerada, nutrida e protegida. Em um nível natural, dá um propósito à vida humana. As sociedades baseadas em famílias fortes não são facilmente controladas ou seduzidas pelo pecado e pela auto-indulgência.

    A maneira mais eficiente de controlar uma nação é atacar suas crianças. Ao capturar seus corações e mentes, o futuro de um país é decidido. Os comunistas foram os primeiros a cobiçar o direito dos pais de educar seus filhos.

    No Manifesto do Partido Comunista (1848), Karl Marx e Friedrich Engels defenderam seu slogan “Abolição da família!” com estas palavras: “Você nos acusa de querer parar a exploração de crianças por seus pais? Para este crime, nos declaramos culpados”.

    “Mas, você diz, nós destruímos as relações mais sagradas, quando substituímos a educação domiciliar pela social … Os comunistas não inventaram a intervenção da sociedade na educação; eles procuram apenas alterar o caráter dessa intervenção e resgatar a educação da influência da classe dominante.” 3

    A abordagem “científica” dos marxistas à família negada a lei natural à qual a natureza humana está sujeita. Segundo eles, a matéria, animada pelo movimento e pelo progresso, é tudo o que existe. Assim, a família é um arranjo social transitório que, com o tempo, daria lugar a uma forma superior de sociedade – uma sociedade de verdadeiros iguais que gozam de recursos comunais, onde as mulheres não são mais oprimidas por homens nem filhos “explorados” por seus pais.

    Assim que os bolcheviques tomaram o poder na Rússia em outubro de 1917, apenas algumas semanas após a aparição final de Nossa Senhora em Fátima, eles lançaram seu programa para abolir a família.

    Em dezembro de 1917, o divórcio foi introduzido e consagrado no Código da Família de 1918 para ser facilmente obtido sem “nenhum motivo”.

    Em 1920, a Rússia Soviética tornou-se o primeiro país do mundo a legalizar o aborto, desencadeando um flagelo que destruiu mais vidas do que todas as guerras na história humana registrada.

    A institucionalização total da educação foi uma parte crucial do programa comunista. Em 1920, Aleksandra Kollontai, uma mulher altamente influente no partido bolchevique e a primeira comissária do povo para o bem-estar, escreveu em Kommunistka: “A sociedade comunista assumirá sobre si todos os deveres envolvidos na educação de uma criança”. 4

    Em 1922, a prostituição e a homossexualidade foram removidas do Código Penal.

    A revolução política do regime bolchevique foi acompanhada pela preparação para a revolução cultural, que desde o início, foi principalmente uma revolução sexual. O objetivo era redefinir não só a sociedade, mas a própria natureza humana.

    Como o professor Roberto de Mattei apontou, o Instituto Marx-Engels em Moscou tinha conexões com corpos semelhantes na Alemanha, por exemplo, o Instituto de Pesquisa Sexual do Dr. Magnus Hirschfeld (Institut for Sexualwissenschaft), estabelecido em 1919, com o objetivo de normalizar a homossexualidade.5 Ao longo da década de 1920, a “reforma sexual” para abolir a família foi estudada em intercâmbios acadêmicos.

    Em 1929, a liderança soviética convidou Wilhelm Reich para Moscou para dar uma série de palestras. Reich era um estudante de Sigmund Freud, cuja plataforma ideológica confrontava a moralidade cristã – baseada no sacrifício e na caridade para com o próximo – com o hedonismo baseado no prazer individual. Reich defendeu o “cancelamento” da família e a mudança de atitudes “negativas” para atitudes “sem sexo positivas” na sociedade.

    Reich também era um admirador de Vera Schmidt, cujo Detkski Dom – “casa das crianças” – em Moscou realizou experimentos psicanalíticos e sexuais com crianças pequenas. Reich elogiou este trabalho como confirmação da sexualidade infantil. Tais “descobertas”, desenvolvidas pelos experimentos criminais de Alfred Kinsey nos EUA algumas décadas depois, 6apesar de terem sido rejeitadas por sua natureza abusiva, ajudaram a moldar a ideia fundamental de programas de educação sexual, promovidas pelos governos nacionais e agências da ONU em todo o Ocidente hoje, ou seja, que as crianças são sexuais desde o nascimento.7

    Enquanto os arquitetos da revolução sexual tinham aliados poderosos entre a liderança do regime comunista (como Leon Trotsky), Joseph Stalin viu nela uma ameaça ao seu poder político. Ele precisava de uma Rússia forte e, por essa razão, Stalin reverteu muitas das leis anti-família que o regime havia introduzido: o divórcio se tornou complicado e o aborto ilegal; as relações homossexuais foram mais uma vez uma ofensa criminal.

    Rejeitados por Stalin, os ideólogos da revolução sexual fugiram para a Alemanha de Weimar, dando origem à chamada Escola de Frankfurt, onde continuaram seu trabalho como um think-tank de cientistas sociais marxistas. A partir daí, esses intelectuais chegaram aos EUA, onde assumiram posições-chave em universidades como Harvard, Columbia, Princeton, Berkeley e outras instituições que desde então treinaram a maioria dos líderes civis e políticos da América.

    É por esta razão que as políticas promovidas no Ocidente hoje, parecem e soam como comunismo. Estes são os erros da Rússia – não o patrimônio do Ocidente.

    Comunismo do Ocidente e como curá-lo

    Os ideólogos sexuais do Ocidente hoje continuam fielmente a promover o ideal comunista da sociedade sem Deus. É uma revolução cultural contínua e paciente, com foco na educação, mídia e cultura popular. No entanto, permanece comunista: ainda procura destruir a ordem natural redefinindo a natureza humana; continua a cancelar as estruturas sociais baseadas na família e nas normas morais da lei natural; os direitos dos pais como educadores primários de seus filhos são minados e atacados; a inocência das crianças é sistematicamente destruída nas escolas pela doutrinação sexual destinada a quebrar sua reserva natural através da vulgaridade e da promoção de práticas imorais, especialmente a homossexualidade.

    O politicamente correto de hoje pode ser atribuído à Escola de Frankfurt. Seu objetivo era conformar toda a linguagem, pensamentos e comportamentos aos princípios do marxismo cultural, criando um novo código moral que rotulava qualquer expressão da moralidade cristã como um “crime de ódio”. Assim, aqueles que não aceitam a homossexualidade tornam-se o problema, em vez daqueles que procuram forçá-lo ao público; os pais que não aceitam a ideia de que seu filho nasce no corpo errado se tornam uma ameaça, em vez daqueles que doutrinam crianças com ideologia de gênero, e assim por diante.

    Os autores da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) reconheceram muitos dos problemas do marxismo cultural em nível natural e tentaram oferecer uma resposta secular. A DUDH defende a vida, bem como os direitos dos pais, pois ficou evidente, no final da Segunda Guerra Mundial, que um pai de uma família não pode ser um cidadão livre quando não governa sua própria casa e tem que competir com o Estado para a formação das consciências de seus filhos.

    Na ONU de hoje, há pouca consideração por seus documentos fundadores e, em vez disso, a visão marxista da educação pelo Estado é promovida. O lobby de controle populacional assumiu um papel de liderança na formação de programas de educação sexual e políticas familiares internacionais. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a Agenda 2030 global, por exemplo, trazem uma pressão esmagadora sobre os Estados membros para “garantir o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo planejamento familiar, informação e educação, e a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais”. (Objetivo 3.7)

    Isto significa o acesso universal à contracepção, ao aborto, à promoção da homossexualidade e doutrinação das crianças nas escolas – por outras palavras, a destruição institucionalizada da família.

    Isso é, claro, o que todo católico deve resistir. Mas isso não pode ser feito abraçando uma alternativa falsa. Não se trata de preferir uma agenda global a outra. Ou mesmo ter que ficar do lado de um se rejeitarmos o outro. Pelo contrário, é a doutrina da Igreja Católica contra a qual todas as visões de mundo devem ser julgadas.

    O Ocidente não é seus líderes nem os valores liberais que eles proclamam. O verdadeiro Ocidente é a cristandade, a fé e a cultura moldadas pelos ensinamentos da Igreja Católica, seus santos e mártires.

    No momento, este Ocidente parece ter sido apagado, mas apenas foi eclipsado. Atrás das sombras, o sol permanece. Não devemos procurar escapar do eclipse à custa de desistir do sol.

    A necessidade de reconstruir a Rússia após a perda devastadora de mão de obra e a ruptura social da guerra tornou inevitável a introdução de leis de Stalin para incentivar o casamento e o parto. No entanto, apesar dessas “boas políticas”, a história não o considera como um líder pró-família. Pelo contrário, lembra-se dele como um ditador responsável pelo terror sangrento que custou milhões de vidas. Este exemplo deve soar uma nota de cautela para aqueles que exaltam os atuais líderes russos para a promoção de políticas pró-vida e familiar rejeitadas por seus homólogos ocidentais.

    Analisando as consequências comunistas, David Satter argumenta que “a Rússia hoje é assombrada por atos não examinados e palavras não ditas, locais que não foram reconhecidos e valas comuns que foram comemoradas parcialmente ou não são. O fracasso em enfrentar as implicações morais da experiência comunista, no entanto, significou que a mudança real na Rússia não era possível. A psicologia da dominação do Estado foi deixada intacta para influenciar a nova Rússia pós-comunista. 8 Enquanto a Rússia permanecer assombrada por seus erros – enquanto a Rússia for cismática, anticatólica e comunista, ela não pode curar as feridas que seus erros infligiram ao Ocidente.

    São Pio X disse: “O desejo de paz é certamente um sentimento comum a todos, e não há ninguém que não o invoque ardentemente. A paz, no entanto, uma vez negada por Deus, é absurdamente invocada: onde Deus está ausente, a justiça é exilada; e sem justiça, a esperança da paz é alimentada em vão. 9 – 8

    O mundo secularizado, que hoje envolve tanto o Ocidente como o Oriente, diz que quer a paz, mas esquece que declarou guerra a Deus, desafiando as leis que Ele escreveu no coração humano. A mensagem de Fátima recorda-nos que não haverá paz se não houver conversão primeiro. O aviso que se aplica à Rússia em 1917 deve agora ser cuidado em todo o mundo, que adotou os erros comunistas como seus. Não pode haver paz duradoura sem justiça, mas isso significa realmente que não pode haver paz verdadeira antes que as nações se tornem católicas.

    Notas

    1. Muito Rev. – Dr. Dr. (‘) John Behr, “Quem guarda os guardiões?”, Ortodoxia Pública, 24 de abril de 2024.
    2. Warren Carroll, 1917: Red Banners, White Mantle (Christendom Press, 1981).
    3. Manifesto do Partido Comunista (1848) Ch II.
    4. Alexandra Kollontai, “Comunismo e a Família”, Kommunistka, no 2, 1920.
    5. Prof Roberto de Mattei, “Uma história de revoluções e suas consequências para a família”, palestra no Fórum da Vida de Roma, 18 de maio de 2017.
    6. Gravado nos chamados Relatórios de Kinsey: Comportamento Sexual no Homem-Crê Humano (1948) e Comportamento Sexual na Mulher Humana (1953).
    7. Veja, por exemplo, Judith Reisman, Kinsey, Crimes e Consequência (2004) Honra Roubada, Honra Roubada, Inocência Roubada (2013).
    8. David Satter, It Was Long Time Há E Ele Nunca Aconteceu De qualquer maneira: Rússia e o passado comunista, (Yale, 2012), pág. 300.
    9. Pio X, E Supremi, no 7.
  • Dona Conceição, Ana Maria e Pomba-gira Maria Padilha

    Dona Conceição, Ana Maria e Pomba-gira Maria Padilha

    Conheci Conceição em meados do século XIX. Mulher séria, bela, fina e recatada. Em existência anterior, era de nacionalidade russa. Muito nova, foi iniciada na prostituição, algo comum na Rússia do século XVIII. As moças de famílias pobres, contando com pouco mais de 12 ou 13 anos, eram forçadas a trabalhar em casas do tipo para obter alguma provisão. Viviam uma vida parecida com mariposas, pois durante o dia passavam ou trancadas em quartos escuros nos prostíbulos – para não serem descobertas pela perseguição estatal – ou aventuravam-se nas ruas, disfarçadas, para tentarem chegar às suas casas e visitar familiares.

    Deixou o corpo físico nesta miserável existência aos 21 anos, acometida de sífilis. Confidenciou-me que, na ocasião, seu corpo foi desovado em sacos e destinado ao lixo comum, para não levantar suspeitas. Aliás, este era o destino da maioria das moças que se aventuravam a esta vida na “Mãe Rússia”.

    Reencarnou no Brasil do século XIX, uma carioca como eu; todavia, não com a mesma sorte. Conceição, mais uma vez, foi submetida à vida mundana à qual teve na pátria anterior.

    Nascida em berço de ouro, filha de coronel brasileiro, aventurou-se a amar quem lhe era proibido. Os casamentos arranjados da época eram quase sentenças às mulheres. Era preciso unir fortunas e expandir o poder familiar; este era o pensamento de então. Conceição foi desmascarada; seu amor proibido foi descoberto. Seu amante deixou a existência pela mão do carrasco empregado do coronel. Conceição foi expulsa de casa e deserdada da família, lavando assim a honra da mesma.

    Conceição desencarnou doente, mais uma vez, por febre e desnutrição. Brasileira de alma e coração, decidida a mudar a vida das mulheres, organizou no astral sua falange, para mudar este estado de coisas. “A família é importante, assim como o casamento” – nos diz Conceição. “Contudo, deve nascer do amor, da afinidade, do bem-querer, da renúncia de ambos, tanto do marido quanto da mulher. Casamento não nasce para dar certo ou errado. É uma construção, e como tal, deve trabalhar todos os dias para seu êxito”.

    Conceição ou Pomba-gira Maria Padilha é hoje a chefe de falange mais importante no plano astral, dentro da instituição Exu. Jamais conheci mulher de tanta coragem e fibra, comparada somente àquela que todos bem conhecem, principalmente os gaúchos de nossa pátria, chamada de Anita Garibaldi (Ana Maria de Jesus Ribeiro), a heroína de dois mundos. Espero um dia conhecê-la; ainda não tive este privilégio. Conta-se aqui que guerreava prenha, deu à luz sozinha, escondida no matagal à espera do marido, Guiuseppe, que levou dias para encontrá-la em meio à guerra. Ah, se as mulheres de hoje tivessem só um pouquinho das “Conceições” ou das “Anitas”. . . Que mundo melhor teríamos. . .

    Mui respeitosamente.

    Ana Rita.

  • O que é sexo? Uma visão do “lado de lá”

    O que é sexo? Uma visão do “lado de lá”

    — Salve escrivão. Vamos ao trabalho?

    — Salve, meu amigo. Claro, ao trabalho, sempre o trabalho.

    — Previno que o assunto não guarda tranquilidade, para dizer o mínimo. Porém, me vejo na obrigação de fazê-lo. Acompanhe:

    A definição do que é atividade sexual, segundo o que conhecemos, pode-se dizer que é o encontro de genitália de corpos, numa definição grosso modo. Tampouco, definir uma experiência sexual não é nada simples. No senso comum, encontramos definições como: “fazer amor” e sexo por prazer, as mais comuns. No entanto, sexo por prazer quer dizer o quê? E fazer amor, é possível fabricar amor?

    Se definirmos prazer, teremos algo que não passa de uma abstração, o “sentir prazer”. Pode-se sentir prazer em diversas coisas e atos, como exemplo: o prazer de fumar, de beber uma boa vodca, de assistir uma orquestra etc. Contudo, em momento algum, se pensarmos em prazer como o sentimos em diversos momentos diferentes, algum deles pode se comparar ao ato sexual? Para qualquer pessoa que já tenha experimentado o sexo, ao fazer uma analogia, existe comparação?

    A pobreza de percepção instalada no seio dos seres humanos de hoje, aliada a banalização, fruto da revolução sexual iniciada no final dos anos de 1960, início dos 70, fizeram com que perdêssemos até a capacidade de expressar em palavras o que é o ato sexual.

    Se pensarmos, em primeiro lugar, que vivemos aprisionados ao corpo, em situação de extrema solidão, onde passamos quase o dia todo, se não semanas e até meses sem tocar em qualquer outro corpo, senão toques esporádicos como um aperto de mãos, ou um breve abraço, beijos no rosto de “até logo”, nos leva a entender que de alguma forma, como uma criança chora pedindo o colo e o toque da mãe, o afago, o carinho que acalma o choro e faz dormir, reclamamos o toque de outro corpo, seja na condição social do matrimônio, amantes, e até desconhecidos que se cruzaram há poucos minutos, pouco importa. O que se busca, enfim, é fugir da solidão do corpo e buscar o toque.

    Ademais, no ato sexual estão envolvidos diversos elementos não psicológicos, que levam a conclusão que, na troca de fluidos carregados de genética, genes da espécie humana, algo que fazemos desde tempos imemoriáveis, para perpetuação da espécie, mesmo que o ato em si não tenha a finalidade de procriação, fazem com que naquele momento, haja uma transcendência daqueles seres envolvidos, e podemos dizer que a humanidade toda participa do ato.

    No nível da percepção, e são vários níveis experimentados durante o ato, estas vão esvaindo-se conforme o desenrolar, até chegar ao ponto de não haver mais percepções traduzíveis corporalmente, ou seja, notamos que a atividade cerebral possa estar extremamente reduzida, como em um estado de “quase morte”, feita a devida ressalva para os dois estados, um bem vivo, outro com a vida por um fio. No entanto, a percepção experimentada pelo “eu” durante o ato amplia-se para aquele que experiencia, como nas experiências de quase morte (EQM), porém, não são traduzíveis.

    Assim sendo, percebemos o acontecido: no momento do ato sexual, as percepções corpóreas dão lugar as do “eu” — notem bem que não digo da alma ou do espírito, não há separação do conjunto para formação do “eu”. Para este ser completo, precisa do corpo, perispírito e espírito —, paramos de sentir apenas pelo corpo, e concluímos que acontece a união em um único ser, ou a união de almas, no sentido poético já descrito a longo tempo atrás. Mesmo para aqueles que buscam pelo sexo nos modismos de hoje, manipulados que estão pela nova era, pensando agir por si, os mecanismos são os mesmos, e a percepção acontece da mesma forma.

    A ressalva que podemos fazer dentro desse contexto, aplica-se a prostituição, onde o(a) acompanhante utiliza-se do corpo como ferramenta de trabalho, restando ao contratante a percepção sexual, salvo se aconteça afinidade entre os dois. Mesma aplicação podemos estender ao caso do estupro; apenas um dos praticantes do ato terá a percepção sexual, restando ao outro somente a dor.

    Pode ser que você, caro leitor(a) não entenda tudo o que até aqui foi explicitado, mas um simples exercício de pensamento; se analisarmos como um “esfregar de corpos”, tem o poder de desencadear um processo de ampliação de percepção do “eu”, fazendo com que aconteça quase uma anulação da percepção corpórea, haja vista não ser possível descrever o ato sexual em minúcias, suas percepções, até o clímax de uma relação; não podem mesmo fazer com que desperte em vos algo para analisar e pensar? Será possível ainda definir “sexo por prazer”, ou “fazer amor”? Não interpretem este limitado Espírito como a voz da verdade, nem concluam que minha humilde análise de tão rico tema seja conclusiva. Talvez apenas aos poetas, com toda a riqueza de suas almas e apurada percepção, seja possível tal descrição, contudo, abro a discussão.

    Respeitosamente: Repórter A Noite.

  • A história de Maria Molambo da encruza

    A história de Maria Molambo da encruza

    Para quem me conhece há mais tempo, sabe que sou um fumante inveterado. O hábito de fumar, tão demonizado pelo nosso tempo, para mim, que não pertenço ao inconsciente do politicamente correto, é algo que me acalma, e faz o cérebro funcionar um pouco melhor. Pois bem, estava fumando meu cigarro, o relógio marcando quase meia-noite, a hora grande da Umbanda. Os estudos são mais produtivos a noite, e tudo fica mais claro, muito mais claro. Pensava na Pomba Gira, que tanto me desperta encantos. Sim, moça séria, que tem algo que incomoda. Pensava nela, e queria saber: Quem foi esta mulher em vida? Fez algo de importante? Foi acaso uma nobre, ou uma plebeia. Minha cabeça fervia…

     — Sabia seu moço que você é por demais atrevido?

    Congelei dos pés à cabeça. Uma voz doce, suave, mas sarcástica soou ao pé do ouvido.

     — Quem és? Tive a pachorra de perguntar. Mas não sei como, já sabia se tratar dela.

    — És burro ou idiota? Não me chamou querendo saber de mim? Então, te atenta que não tenho tempo a perder. Sou uma mulher ocupada. Detesto coisas fúteis e infantilidades. Já perdi muito tempo de minha existência com elas, e simplesmente não me submeto mais a isso. Só vim porque creio que pode ser útil estas notas. Vai menino, anota aí, e cuida que não repetirei nada.

    — Estou honrado e pronto a lhe ouvir. Falei isto e me calei, entendi que ali eu não estava em uma situação privilegiada, mas sim, por um acréscimo da misericórdia divina, servia de escrivão a alguém muito importante. As linhas que seguem foram difíceis de serem escritas. Minhas mãos quase não respondiam a meus comandos, devido às emoções que se misturavam em minha mente ao ouvir a voz de um espírito feminino que, por um instante, deixava de ser Maria Molambo e era apenas Ana Rita, o nome deste espírito em sua última encarnação.

    — Nasci e me criei na cidade do Rio de Janeiro. Batizada com o nome de Ana Rita, fui uma carioca do século XIX. De descendência portuguesa, e com a vinda da família real para o Brasil, que realizou importantes mudanças no País, consegui estudar, coisa que não era para muitas mulheres ainda. Adquiri cultura e erudição tanto quanto me foi possível. Não preciso me estender sobre detalhes aqui, pois não será difícil para aqueles que conhecem um pouco da história deste país concluir que pertencia à elite carioca. Minha família era quase toda, ou ligada ao exército, a política e a agricultura. Sabe, não direi que tive uma infância e adolescência ruim não, ao contrário, eram anos de alegria.

    No meu baile de 15 anos, fui prometida àquele que seria meu companheiro durante toda a vida. Omitirei seu nome, consta nos livros da história política deste país. Tive a honra de ter um baile de 15 anos, coisa para poucas moças da época, além de ser algo relativamente novo em nossa sociedade, trazido por franceses que fugiram dos horrores da revolução francesa e eram ligados à nossa família. Pois bem, vi aquele homem pela primeira vez naquela noite, e ele não tardou em conversar com meu pai e arranjar o casório que logo aconteceu. Nesta época, mulheres eram corajosas e talhadas para assumir um lar, tão logo conseguissem entender algo da vida. O matrimônio, filhos e todas as responsabilidades de uma mulher não eram nadas assustadoras.

    Meu esposo, que era deputado do então município neutro, do Rio de Janeiro, era um dos chefes do partido liberal da época. Era um liberal sincero, moderado em seus sentimentos políticos, tolerante para com seus adversários, e principalmente monarquista franco e dedicado às instituições públicas deste país.

    Ao seu lado, por sua influência e incentivo, escrevi diversas vezes para jornais da época; claro, sempre usando codinomes para não despertar embates piores dos que sofríamos. Apesar de toda liberdade trazida com a instalação da corte no país, onde tínhamos uma liberdade sem igual, principalmente na imprensa e nas ideias, queríamos estender esta liberdade para todas as áreas da vida humana. Lutávamos por liberdade econômica, o fim da escravatura, a qual já tínhamos conseguido muitos avanços e leis que davam alguma proteção aos escravos, assim como educação pública para toda população. Tínhamos amplo acesso a Coroa, eu e meu esposo, e assim participamos de importantes mudanças na vida cultural brasileira. O fim da censura prévia e o clima de ampla liberdade de imprensa favoreceram a produção cultural. Os jornais foram os grandes divulgadores dos romances sob a forma de folhetins. Saber ler e escrever, ainda que restrito ao ambiente da Corte e às grandes cidades, foram abrindo caminhos para as transformações. Abriram-se dezenas de escolas para meninos em sua maioria, mas também meninas começavam a ter algum acesso. Sabe, sinto uma tristeza profunda em ver sua geração não guardar, nem valorizar o que fizemos. Quem não honra seus antepassados perde a memória, e entram para o rol dos ingratos. Sabemos quem são os canalhas responsáveis por isso. Alguns já estão aqui, outros logo virão, e não perdem por esperar.

    Então moço, lembro com carinho estes tempos, mas fato é que me casei, tive dois filhos, uma menina e um menino, um marido exemplar, que hoje continua ao meu lado como valoroso companheiro, onde ele também engrossa as fileiras da organização, e somos bons amigos. Não guardamos mais nosso vínculo de matrimônio por opção nossa. Meus filhos seguiram outros caminhos, e nos visitamos periodicamente.

    Já responderei o que você quer saber, vamos lá. (Neste ponto da narrativa a danada leu meus pensamentos, pois queria saber como alguém que, parecendo não ser uma grande devedora da lei, se tornou uma Pomba-gira).

    Em nossa casa havia uma governanta, que foi presente de meu pai quando nos casamos. Sim, uma escrava, mas que em nossa casa nunca foi tratada como tal, mas como alguém da família. Seu nome era apenas Maria, carinhosamente chamada por nós de Dona Maria. Logo após meu casamento, comecei a ter algumas “alucinações”, era assim que eu entendia. Ouvia vozes e via o que mais ninguém via, comecei a ficar louca, pois não entendia aquilo e pensava: só pode ser castigo de Deus, pois estou lutando contra o clero — os integrantes do partido conservador, o qual fazíamos oposição, eu veladamente na imprensa e meu esposo na Câmara, eram em sua maioria do Clero — e eu então, acreditava ser um castigo divino. Dona Maria, um belo dia que não sairá jamais de minha memória, chamou-me e disse: — “Sinhá, descurpa o que vo lhe dize, mas tu tá com incosto. Teus Orixá me conto. Pode me surra e castiga por tá falando ansim, mais não guento mais ve sunce ansim”.

    Narro com as palavras dela, porque são inesquecíveis, mudaram minha vida. A partir daquele dia, com a ajuda desta que foi uma segunda mãe para mim, foi me revelado um plano das trevas arquitetado por encarnados, nossos inimigos nas lides para nossa destruição. Comecei a entender o mundo espiritual, dos Orixás, e fui agraciada por ter ela como minha Yalorixá, a qual colocou a mão na minha cabeça e me iniciou à Iansã. Me ajudou e guiou os primeiros passos na vida mediúnica, pois fui laureada com a mediunidade ostensiva na minha última reencarnação. Ainda assim, também por influência do meu esposo, fizemos parte do primeiro grupo espírita nascente do Rio de Janeiro, onde me aprimorei em estudos na doutrina dos espíritos.

    Meu marido desencarnou antes de mim, e segui o resto dos meus dias fazendo por nós dois, lutando contra um estado de coisas que crescia em nosso país, fazendo todo bem que me era possível, cuidando de nossa família, estudando a doutrina dos espíritos, trabalhando em mesas de desobsessão e estudos espíritas. Não me casei novamente após a partida de meu esposo, não que me faltassem pretendentes, mas sentia a influência e o carinho daquele que me foi companheiro e nossos ideais seguiam vivos dentro de mim, o que era suficiente. Sorte minha ter pensado assim quando na carne. Resisti a minhas inclinações que me eram reminiscências de outras existências, e que por vezes levam milênios para serem quitadas. Apesar disso, eu era, sim, muito exibida, me vestia com extremo bom gosto e era muito bela. Fazia questão de expor este atributo de Deus, que havia me presenteado na encarnação.

    Então, seu moço, nenhuma história cabe em uma página de jornal, e sei que tu vais colocar lá isso. Pincelei aqui e ali, para entenderem: Para ser Exu ou Pomba Gira de Umbanda não é necessário ter sido prostituta, ou assassino quando encarnado. Muito pelo contrário, pois aqueles que foram por demais caídos e cometeram crimes hediondos ou com grandes danos a humanidade, podem até serem aceitos, mas não sem muitos anos de treinamento e estudo, o contrário daqueles pouco devedores da lei. Também aqueles que pensam me invocar para “amarrar homem”, destruir uma família, seduzir amantes e tudo mais o que a mente doente deste século pode criar entre os encarnados, estão redondamente enganados. Se eles são idiotas, e o são, eu não sou, e posso falar por meus pares da organização. Aqui não tem pessoas como vocês que tem um sentimento agudo dos próprios direitos e o completo amortecimento do senso de dever.

    Procurei me integrar a organização tão logo foi criada, por meio de outros amigos que tenho até hoje neste lado da vida. O golpe fatal que me fez vir para o lado da organização foi em 1889, quando, já desencarnada, presenciei o triunfo do mal em nosso país. Sei que alguns não entenderão minha colocação, mas cada um que pense por si. Então o sentimento de continuar sendo útil à minha pátria que tanto amei e a este povo, meu amor sincero pelos Orixás, analisadas minhas obras na terra, em virtude do seu valor, obras de luz, de ascensão, de preservação, de progresso e para o bem público, as quais havia consagrado minha vida na terra me deram credenciais para fazer parte da organização. E por que Molambo? Lembra de quando falei que adorava me exibir frente a todos? Prefiro não dar sorte ao azar não. Melhor evitar que “coisas” de encarnações bem passadas retornem e me façam escrava novamente. Então, Molambo lembra alguém que é molambento né? Melhor ser vista assim, e para lembrar que molambo vem de lixo, e meu prazer é arrastar o “lixo” humano para o lado de cá e cuidar dele com muito afinco. Ah, ah, ah, ah, ahaaaaa. Despeço-me, com escusas pela escrita, que infelizmente o “aparelho” do qual me sirvo é extremamente limitado e não me deixa “fruir” a contento, ah, ah, ah, ahaaaa. Quem sabe um dia conto tudo? Quem sabe. Além disso, adoro este provérbio árabe: “Não repares em quem sou, mas recebe o que te dou”.

    Respeitosamente, com lembranças mui particulares, Ana Rita, hoje Maria Molambo da Encruza.

    Após estas linhas ainda pacóvio; as gargalhadas que ouvi quando não conseguia codificar as ideias recebidas, o sentimento de estar em meu lugar, ou seja, a sensação de não ser nada e, ao mesmo tempo, o tudo para mim mesmo; enfim, me recolho também ao descanso, não sem antes meditar sobre cada palavra deste espírito.

  • A solidão

    A solidão

    Salve menino. Como estás? Toma nota destas impressões, dizem respeito a solidão que vós experimentais na vida.

    Nesta noite, em companhia de meu fiel amigo Tunico, ou Tuniquinho, excursionamos algumas Tendas. Em umas encontramos sessões, em outras, atendimentos individuais, que versavam sobre os mais diversos assuntos. Mas em quase todos, algo me chamou a atenção: analisei os consulentes que buscavam conselhos, li seus pensamentos, adentrei seus corações, minha alma se encheu de compaixão. Estavam cansados, abatidos, depois de um dia de afazeres em suas vidas seculares. Cedo da manhã, alguns até antes do sol nascer, já estavam nos pontos de espera pelo transporte público. Outros, enfrentavam o trânsito caótico dos grandes centros. Um dia todo, rodeados de pessoas, cumprindo sua labuta, porém mais sós que nunca. Como sois sós. Quanta solidão…

    Na busca de conselhos, enquanto os sacerdotes e sacerdotisas cônscios de sua tarefa, no seu esforço para nutrir a ânsia de respostas, os olhares solitários dos consulentes buscam pelo colo da mãe, que a muitos anos já não tem forças para aguentar seus pesados corpos. Choram suas fraquezas, riem de suas derrotas quando a caída do jogo de búzios as expões, mas buscam o amparo daquele que, naquele momento, faz o papel de anjo da guarda de carne e osso. O Altíssimo, naquele momento, manda chuvas de bençãos àquele que, com sinceridade, expõe suas fraquezas e busca o bom conselho.

    Quanta solidão os encarnados estão experimentando nestes tempos. Os templos já não dispõem de famílias religiosas que comungam do mesmo espírito. Filhos e filhas espirituais tramam às costas de seus pais espirituais, como cobras espreitam os ninhos. Os que tem um pouco de juízo, vão aos templos, tomam os sacramentos e fogem como o diabo foge das 15 horas, atentos as peçonhentas. Nas igrejas, a mesma situação. A solidão invade as almas que anseiam alguém para comungar o espírito. Aqueles que disso dispõe, que zele, guarde e cultue. Isso é para poucos, pouquíssimos.

    Quando fazemos a travessia1, a ideia da solidão – pelo menos para mim – foi a que mais atormentou este coração de periodicista acostumado às multidões, mas que também se sentia só. Não ter amigos para conversas, para fazer com que as ideias se amplifiquem, ou compartilhar nossas conquistas, é um grande fardo. Mas também se for para ter àqueles que vos rodeiam e não compartilham dos vossos ideais, afastai-vos. Não há o que acrescentardes, perdereis seus tempos e vosso espírito se empobrecerá. Vós encarnados experimentais este tormento, mas lhes digo, o meu foi em vão, pois assim que cheguei ao astral, muitos me receberam. Alguns felizes, outros nem tanto. Todos temos nossos débitos. O fato é que existe um antídoto para este veneno chamado solidão; seu nome é Fé.

    É possível preencher vossa alma com ciência, aquela que vem após as refeições entre pessoas sérias, que se sentam após alimentar o corpo, e alimentam a alma com a seriedade de quem ama a Deus acima de tudo, e reparem que no primeiro mandamento ele não deu à medida que deveríeis amá-lo, apenas que fosse acima de tudo o que amais. Se neste momento, e a partir dele conseguísseis realizar esta operação, nunca mais experimentareis a miséria, somente a plenitude. Já dizia Santo Agostinho: “Todo aquele que vive feliz faz a vontade de Deus, e todo aquele que faz o que Deus quer, vive bem, e viver bem nada mais é que fazer aquelas coisas que agradam a Deus”.

    Guarda-te menino, bem sei que compartilhas de alguém que é tua fiel companheira. Amados que leem estas mal traçadas linhas: Guardem-se da miséria. Amai a Deus antes de tudo o que imaginais possuir, e não deixais que a estultícia se aposse de vosso espírito. O tempo é agora.

    1- Na palavra “travessia”, nosso periodicista do além refere-se ao desencarne

  • O Caboclo Xangô 7 Raios

    O Caboclo Xangô 7 Raios

    Escrever sobre nosso Guia espiritual, no caso o Caboclo Chefe da Tenda de Umbanda Xangô 7 Raios, é uma tarefa de responsabilidade, e, ao mesmo tempo, de grande peso sobre os ombros. De responsabilidade devido à gravidade do que aqui vamos expor; de peso sobre os ombros pelo fato de haver a necessidade de ser o mais fiel possível ao nosso Guia espiritual.

    Meu primeiro contato com este Espírito se deu no início dos anos 2000, através da mediunidade de seu “aparelho” – nome pelo qual os Guias de Umbanda comumente chamam seus médiuns. Caboclo de nome pouco comum de encontrarmos nos terreiros, exerce um tipo de magnetismo especial naqueles que tem a oportunidade de receber um passe e consultar com este Espírito, apesar de Xangô 7 Raios ser de poucas palavras e direto nas suas colocações. Com relação a esta atração que seus consulentes sofrem, é um fato atestado por todos os que podem conviver com este Guia, sendo muito requisitado para consultas recorrentes por seus consulentes.

    Na exteriorização de suas manifestações, guarda um rosto levemente sisudo em seu médium, andando de um lado para outro com uma mão fechada sobre o peito, como se segurasse alguma coisa na mão. Aplica passes rápidos por vezes, outras de forma mais lenta (creio que seja pela necessidade do momento), mas sempre passes que guardam uma aparência de “pressa”. Digo esta palavra apenas para ilustrar seus trejeitos, e não que o referido Espírito realmente assim proceda, pois alguns de seus consulentes chegam a ficar por períodos superiores a um quarto de hora junto ao Espírito.

    Em relação às orientações e a forma deste Espírito governar nossa Tenda, posso afirmar que prima pela autonomia, pouco opinando sobre questões ritualísticas corriqueiras, apenas fazendo em questões mais sérias. Contudo, não guarda muita paciência se acaso suas orientações não são seguidas pela corrente mediúnica, sendo rígido em relação ao horário de início dos trabalhos, respeito às falanges que se manifestarão no dia, assiduidade das sessões e conduta moral dos médiuns. Algo que este Caboclo não admite é o cancelamento de uma sessão de caráter público, de atendimento aos necessitados. Segundo o próprio Espírito, não pode haver impedimentos para que os trabalhos não aconteçam, salvo por algum motivo de calamidade pública ou algo parecido. Nas palavras do próprio Guia: “não pode haver impedimentos que justifiquem a ausência dos trabalhos. A missão de socorro aos necessitados obedece ao lema aplicado aos verdadeiros médicos do corpo, o qual hauri do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti”:

    O médico, o verdadeiro médico, é isto; não tem o direito de acabar a refeição, de escolher a hora, de inquirir se é longe ou perto o gemido que lhe chega aos ouvidos, a pedir-lhe, ao menos, o bálsamo da consolação, que já é de suma caridade. O que não acode por estar com visitas, por ter trabalhado muito e achar-se fatigado, por ser alta noite, ou ser mau o tempo, ou ficar muito longe e muito alto o lugar para onde é chamado.” (Bezerra de Menezes)

    No tocante as forças espirituais que este Caboclo representa, segundo seus próprios ensinamentos, ele obedece à linha do Orixá Xangô, mas pode atuar como uma espécie de mensageiro dentro das outras 6 linhas, pois como seu próprio nome ostenta, tem autorização para trabalhar em todas as linhas de Umbanda (os 7 Raios).

    Caboclo Xangô 7 Raios é um Espírito de grande saber, profundo conhecedor da doutrina dos Espíritos, e percebe-se com facilidade que sua seara de trabalhos vai além da Umbanda. Apesar de não ostentar, lida com a magia de Umbanda de forma maestral, mas acima disso tudo, tem um profundo sentimento Cristão, e seu amor ao próximo, seja encarnado ou desencarnado transparece na sua egrégora.

    Um fraterno Saravá, e salve Pai Xangô 7 Raios.

  • A Pomba-gira e as mulheres

    A Pomba-gira e as mulheres

    Duas vozes discutiam na minha cabeça, apesar de não ver os interlocutores: – Vai menino, anota aí! — Mas quem está ditando sou eu!!! – Sim, mas quem está passando para ele sou eu!!

    — Epa, epa, espera aí. Se decidam gente; gritei em voz alta na minha mente – se é que isso é possível.

    – Viu como são as mulheres, menino? Sempre querem mandar em nós. Não aceita!

    – Você, seu latagão. Deixa que me entendo com o moleque! Faz tua parte e não te imiscui.

    – Vamos lá moleque, anota aí. Passa para o papel e publica. Vou te chamar de moleque tá. Este “ser” que é o periodista oficial, e que está preso no século XVIII te chama de menino, não é. Então, chamar-te-ei de moleque, tá bom?

    — Claro Senhora, como quiser. Explico: No início desta matéria, o periodista oficial do além que nos dita os textos, trouxe uma Senhora que também faz parte da organização dos Exus, e que também passará a nos brindar com seus comentários. A Sr.ª. Maria Molambo da Encruza. Porém, a moça que é um tanto tempestuosa…

    — Hoje estive passeando pelas ruas de vossa cidade. Cruzei com diversas pessoas que, apesar de perdidas, guardavam um brilho a mais no olhar. Estas, como se por um milagre, também suas vestes tanto espirituais, como as roupas em si tinham um pouco mais de decoro. Não gosto de mulheres vulgares, elas não sabem o que é ser mulher. Estas senhoras, as decorosas, as segui, estudei-as, e vi que antes de tudo seu coração estava onde deveria estar: Em Deus, nos filhinhos, no esposo, no lar e suas obrigações. Andavam pelos comércios, alguns risos com amigos, mas suas preocupações estavam em servir. Já repararam que as mulheres, apesar de não agirem com consciência hoje, mas por instinto sempre estão servindo?

    Mas também reparei em algumas indecorosas: suas mentes, assim como suas vestes espirituais e roupas tem algo sem pudor, são opacas como seus pensamentos, e apenas querem saciar seus instintos mais baixos tanto quanto possível. Se deixaram levar pelo espírito do mal destes tempos. Seu palavreado é chulo, cabelos esquisitos, roupas esquisitas. Unhas comparáveis àquelas da senhora La Voisin (famosa bruxa do século XVII), aliás comparáveis em tudo. Buscam a todo preço modificar o corpo, agem por ele e para ele.

    Moleque, não te assusta. Não tenho trava na língua. Se não suporta meu raciocínio, diz logo que vou embora. (A moça não é de brincadeira. Foi apenas a sensação que tive, e a distinta senhora captou. Que espírito é esse que lê pensamentos e capta sentimentos?)

    — Descrevi algo sobre a mulher porque quero dizer quem é Pomba-gira: não escreveram já que somos a sedução, o “poder” feminino? E os idiotas que escreveram isso acham que poder feminino vem do sexo apenas? Do poder de sedução? Ah, santa paciência me é necessária! Inclusive, alguns pensadores que vocês dão honras e glórias, que são quase contemporâneos meus de quando encarnada, não legaram que os escolásticos nos viam como inferiores? Quantas coisas distorceram, quanta mentira. Não é à toa que um deles, e fiquei sabendo nas bandas de cá (a escritora se refere ao astral) que Michel Foucault disse ter mentido mais que o diabo. Quanto trabalho teremos, quanto trabalho…

    Prestem atenção: Pomba-gira é apenas uma corruptela que inventamos, só isso, porque não podemos mais utilizar nosso nome de encarnadas quando passamos a atuar na Umbanda. É da lei de Umbanda isso e lei se cumpre, não se discute nem se interpreta a bel-prazer. Está escrito e sancionado. Já confessei que me chamei quando encarnada Ana Rita, apenas porque me foi permitido e tem um propósito maior, que entenderão logo, não hoje. Pomba-gira representa o poder da intercessora, da mulher em sua plenitude de mãe e provedora da família. Sabem o que é isso? Não sabem né, seu tempo não quer mais esta instituição, então a mulher deve ser destituída de seu cargo legado por Deus. Querem uma nova mulher, aquela que é apenas o objeto de satisfação, que tenta imitar o homem, pois quer prover o alimento, o que não é sua atribuição; quer independência, o que não é o projeto do Criador, pois um complementa o outro, homem – mulher.

    Estamos para Exu, assim como Exu está para nós. Somos a representação da instituição que vocês querem dispensar. Sabes quantos filhos tenho aqui no astral? Sabes que tenho marido? Sabes que provenho família, além da família de encarnados que guardo na terra? Quem tem Pomba-gira e Exu, que realmente os cultua e tem, possui a plenitude da família.

    Guardo as mulheres que buscam ser mulheres plenas, ajudo aquelas que querem mudar, intervenho nas famílias desestruturadas e vibro aquilo que meu nome de guerra me inspira: MARIA Molambo. Me inspiro em Maria Santíssima, peço a interseção dela em meu favor, para que eu seja instrumento da Mãe da humanidade. Não somos promíscuas. Nós Pomba-giras de Umbanda somos mulheres que querem o bem das mulheres. E entendam, mulher é sinônimo de santidade, de renovação da vida, de continuidade da espécie humana. Mulher é companheira, criada para andar ao lado do homem, nem a frente, nem atrás, a provedora da família. O homem é provedor do alimento, tanto para o corpo como do espírito. O lar de um casal onde encontramos no escritório do esposo, uma mesa extra ou o cesto de trabalho da esposa, onde o amor sabe planar e ficar em silêncio, é uma imagem de trabalho daqueles que comungam da vida no espírito. Ah, na vida dos cristãos há tantas belezas, tanto amor e felicidades a se colher. Sabe, realmente não entendo mais os encarnados, espero ainda ficar um bom tempo do lado de cá.

    Com lembranças particulares, Maria Molambo.

    — Pronto menino, a Senhora já foi. Encerramos aqui esta edição.

    Como intérprete permaneci pasmado. Também fiz parte até hoje daqueles que imaginavam Pomba-gira representar apenas a sedução. Obrigado Molambo.