Categoria: Opinião

  • Diálogo inter-religioso

    Diálogo inter-religioso

    Elegemos o catolicismo e o protestantismo para estes comentários, pelo fato de serem as religiões com maior expressão na sociedade brasileira. As demais religiosidades, além de serem minoritárias, em especial se forem orientais, não guardam grandes problemas com a Umbanda.

    O espiritismo, que no Brasil se tornou religião, ainda presentemente tem alguns problemas com relação à Umbanda. Àqueles mais intolerantes com o fato de a Umbanda ter abraçado a doutrina de Kardec, esquecem que, o próprio codificador colocou a doutrina espírita como “Filosofia Espiritualista”. Kardec, ao que nos parece, jamais quis fundar uma nova religião.

    Segundo Kardec, qualquer pessoa pode ser espírita, independente da religião que professe, desde que creia na existência dos espíritos e na sua relação com o mundo dos encarnados. Portanto, nada impede que o umbandista seja espírita, estude e professe a doutrina dos espíritos codificada por Kardec.

    Quanto o catolicismo, sabemos que sua relação com a Umbanda não é pacífica, apesar de, na atualidade, com os movimentos sofridos no seio da própria Igreja Católica, a Umbanda não ser combatida pela ala mais progressista da Igreja.

    O protestantismo, por sua vez, é o combatente mais ferrenho da Umbanda. O advento do neopentecostalismo potencializou a rivalidade e os ataques a Umbanda e por extensão a todas as religiões afro-brasileiras.

    Nestes breves comentários, em verdade, temos que as religiões (sejam elas quais forem), são antagônicas, e dificilmente terão uma convivência pacífica, sem ataques umas as outras. Religiões são ideias humanas, e cada uma formula suas doutrinas e filosofias com base naquilo que creiam mais coerentes. Mesmo as religiões afro, neste rol imenso de práticas enquadradas nesta nomenclatura, têm ataques contínuos entre si — não somente em práticas diferentes, mas entre dirigentes de uma mesma religião, em discussões estéreis para saber qual sacerdote tem o ritual correto.

    Contudo, longe de estar aqui fundamentando o não diálogo inter-religioso (sendo que não acredito em tal diálogo honesto), creio que a liberdade dos seres humanos e o respeito a esta liberdade, pode ser uma saída justa e pacífica para tal problema.

  • A Vida Intelectual

    A Vida Intelectual

    Podemos dizer que o estudo é Deus tomando consciência em nós de sua própria obra. Assim como toda ação, a intelecção sai de Deus e retorna a Deus através de nós. Deus é sua causa primeira; é sua finalidade última; entre uma e outra, nossas emoções transbordantes podem criar um desvio. Abramos os olhos com sabedoria, para que nosso Espírito inspirador veja.

    Submetam-se não apenas a disciplina do trabalho, mas também a disciplina da verdade. Esta é condição indispensável para todo aquele que quer pertencer à verdade. Ela vos pede pronta obediência; e só responde àquele já despojado de todo resto e muito decidido a dedicar-se a ela, unicamente a ela. Cedendo a verdade e exprimindo-a da melhor maneira que pudermos, sem alterações criminosas, exercemos um culto ao qual o Deus interior e o Deus universal responderão revelando-nos serem um mesmo Deus, e estabelecendo uma sociedade com nossa alma.

    Como em tudo, convém lembrar-vos das virtudes, e sua importância no reino da inteligência, pois todas as virtudes têm por base a exclusão da personalidade orgulhosa, que repugna a ordem. O orgulho é o pai das aberrações, das falsas criações; a humildade é o olhar que lê o livro da vida e o livro do universo.

    Uma grande cultura, enriquecendo um espírito, abre-lhe novos caminhos e aumenta sua capacidade, porém, sem humildade, essa atração exercida pelo exterior é também fonte de mentiras.

    Além da humildade, convém ao pensador ter certa passividade de atitude que corresponde a natureza do espírito e da inspiração. Sabemos pouco sobre o espírito, mas sabemos que sua passividade é sua lei primeira. Sabemos ainda menos sobre a inspiração, mas constatamos que ela utiliza mais a inconsciência que as iniciativas. É preciso olhar através do espírito para as coisas, e não no espírito, esquecendo-se mais ou menos das coisas. O espírito está aquilo pelo que se vê, mas não aquilo que se vê: que o meio não nos distraia do fim.

    Eis o trabalho profundo: deixar-se penetrar pela verdade, submergir nela docemente, afogar-se; não mais pensar que pensamos, nem que existimos, nem que coisa alguma existe, exceto a própria verdade. Este é o bem-aventurado êxtase.

    Para São Tomás, o êxtase é filho do amor; transporta-nos para fora, para o objeto dos nossos sonhos: amar a verdade tão ardentemente que nos concentremos nela e nos transportemos assim ao universal, aquilo que é, ao seio das verdades permanentes. Não vá, pois, se for visitado por este espírito, desencorajá-lo e expulsá-lo fazendo um trabalho completamente artificial e exterior. Se ele estiver ausente, apresse seu retorno com humildes preces. Sob o fulgor divino ganhará em pouco tempo muito mais do que ganharia dedicando-se aos seus pensamentos abstratos. “Nos teus átrios, Senhor, um dia vale mais do que mil”. (SL83,11)

    Como não se sentir na presença de Deus quando um homem ensina? Não é ele Sua imagem? Imagem às vezes deformada, mas com frequência autêntica; e essa deformação é sempre parcial.

    Texto inspirado no livro “A Vida Intelectual”, de Padre Sertillanges.

  • Democracia relativa

    Democracia relativa

    Em meados de 2021, produzi um curso de Umbanda, nada sofisticado, nem algo estiloso, porém era algo produzido com esforço, dedicação e muito empenho. Havia publicado na plataforma de vídeos Rumble, uma plataforma não muito conhecida, mas ótima para publicar. Contudo, qual não foi minha surpresa quando fui acessar minha “playlist” de vídeos, para conferir o número de acessos e audiência, e me deparei com a seguinte frase na página inicial da plataforma: “NOTICE TO USERS IN BRAZIL: Because of Brazilian government demands to remove creators from our platform, Rumble is currently unavailable in Brazil. We are challenging these government demands and hope to restore access soon”. Traduzido: AVISO AOS USUÁRIOS NO BRASIL: Devido às exigências do governo brasileiro para remover criadores de nossa plataforma, o Rumble está atualmente indisponível no Brasil. Estamos a desafiar estas exigências do governo e esperamos restaurar o acesso em breve.
    Sempre lutei muito pela liberdade, afinal, se não temos liberdade, não temos futuro. Mas, como havia dito a ministra do STF, a censura seria apenas até segunda, após o segundo turno das eleições presidenciais, então guardava esperanças em recuperar meu humilde curso.
    Não tenho mais redes sociais há um bom tempo, a exceção do X (antigo Twitter), um microblog que mais parece uma praça pública, só que em formato digital, onde todos podem escrever o que quiserem, dar sua opinião, mas arriscam serem corrigidos pela própria comunidade, que pode corrigir ou denunciar algo duvidoso, ou inverossímil a qualquer momento. Gostava muito da plataforma. GOSTAVA. A meia-noite do dia 31 de agosto deste ano, o ministro do STF Alexandre de Moraes, ordenou que a plataforma fosse banida do Brasil, prejudicando seus quase 22 milhões de usuários, inclusive eu, fazendo com que o Brasil entre para lista dos países “democráticos” que não tem acesso à plataforma mais livre do mundo, a exemplo da China, Rússia, Irã, Coreia do Norte e Turcomenistão.
    Ideologia é algo que todos temos, mesmo aqueles que dizem não ter, afinal, ideologia é algo que você coloca como alicerce para todos os posicionamentos que tenha. Alguns colocam “igualdade”, outros “liberdade”, e assim por diante. Prefiro a liberdade.
    Estamos prestes a cruzar uma linha sem volta. O ponto que delimita este divisor de águas está a poucos metros de distância. A tal de “democracia relativa” já está em funcionamento, e a poucos passos deixará de ser relativa para se consolidar no sonho dos integrantes do Foro de São Paulo: “resgatar na América Latina o que foi perdido no leste europeu”. Já estamos no chamado eixo do mal, aliados a ditaduras como da Venezuela, China, Rússia, e o que não dizer daquela foto de nosso vice-presidente Geraldo Alckmin, ao lado do número 1 do Hamas, no Irã. São estes nossos aliados e amigos, todos vivendo suas “democracias relativas” e colocando o Brasil como mais um anão diplomático.
    Se não houver um despertar de todos, independente de ideologia política ou religiosa, para resgatar nossa liberdade, daqui a pouco será tarde, e a história comprova que uma vez perdida, não será recuperada tão facilmente. Afinal, qual será o país que queres deixar a teus filhos e netos?

  • A regeneração da humanidade

    A regeneração da humanidade

    Em conversa amigável com amiga que compartilha dos ideais espiritualistas, apesar de não ser espírita, divagávamos sobre pensamentos que são comuns, em todo aquele que de alguma forma cultua seu Espírito, em oposição aqueles que seguem as ideias materialistas. Em verdade, esta é uma conclusão que há tempos faz parte de minhas crenças, mas, como toda crença, é algo que faz parte de nós, ou como diz Ortega y Gasset, “as ideias se têm; nas crenças se está”. (ORTEGA. 1940, p.13)
    Todo ser, a partir do momento que descobre certas verdades, passa a não ter mais prazer em certas coisas do mundo. Dito de outra forma: ao descobrir que a maioria das coisas oferecidas pelo mundo não passam de ilusões, futilidades, ou simples coisas que nos são dispostas, muitas vezes com o intuito de nos distrair do verdadeiro sentido da vida; passamos a não querer mais, ou não sentir prazer, como a maioria dos seres viventes, em compartilhar de práticas, festividades, ou ainda de companhias, empenhadas em buscas de prazeres menos construtivos. Mais ainda: passamos a nos isolar do mundo de certa forma, buscando momentos de culto ao espírito e as coisas que podem elevá-lo aos céus, primando pela instrução sadia, o estudo das coisas sérias, e a oração como prática de toda hora, sendo oração não apenas o que se entende por oração, mas a elevação dos pensamentos a todo momento, conectados com a espiritualidade superior, em busca de inspiração e boas intuições.
    Como dirigente de um centro de Umbanda, afirmo que muitas pessoas hoje estão despertas para esta realidade, outras estão em vias de despertar, vivendo momentos de lucidez, mas ainda apegados as coisas do mundo; e outras ainda que não demonstram vontade – este um fator indispensável nesta conquista – em querer deixar as coisas do “velho mundo”, e despertar para os ideais do novo mundo de regeneração moral. Por certo ainda estamos todos vivendo o mundo de provas e expiações, mas já demonstramos, alguns de nós, o empenho no bem e a vontade inquebrantável de regenerar-se.
    Muitas pessoas confessam se sentir deslocadas, como que vivendo uma realidade paralela, outras até se perguntando se são elas o problema, pois sentem não fazer mais parte deste “velho mundo”, onde presenciamos a degeneração total da humanidade, das velhas instituições religiosas e dos governos, parecendo que estamos as vésperas do apocalipse; e perguntam então, o que está acontecendo? Poderíamos responder, em se tratando das pessoas que, sem dúvida, e de alguma forma, estão, sim, despertando para a nova era. O que acontecerá daqui a pouco? O mundo entrará em colapso? Sinceramente não sei, e creio que todo aquele que diga saber – salvo se não pertença ao mundo dos vivos – estará apenas colocando uma ideia, nada além disso.
    Tudo que sabemos é que a regeneração da humanidade se dará com uma revolução moral, de baixo para cima, com a adesão voluntária e consciente de cada um de nós, em oposição a todas as revoluções fracassadas impostas pelos homens, até hoje. Cedo ou tarde, todos serão chamados, contudo, como sentenciou o mestre: “Porque muitos são chamados, mas poucos são escolhidos”. (Mateus, XXII: 14)

  • Ataques aos símbolos religiosos. A saga continua…

    Ataques aos símbolos religiosos. A saga continua…

    Para nós, umbandistas, Exu é o Orixá da verdade, o detentor dos princípios básicos da paz e da harmonia, aquele que regula a ordem, a disciplina e a organização, opostos da desarmonia, da desordem e da confusão, tudo o que estes eventos infelizes causam.

    Um provérbio iorubá elucida a respeito dessa atribuição deste Orixá: Olòótó ni òtá ayé — quem diz a verdade é inimigo dos seres. Este provérbio elucida porque Exu é visto por alguns como benéfico, outros como maléfico. O fato é que todo aquele devoto e iniciado para Exu tem o compromisso com a verdade, pois Exu é disciplinador, exige ordem e organização. Por ser iniciado para Exu, procuro sempre me pautar pela verdade, buscando ser disciplinado e guardando o principal atributo de Exu: a paciência.

    Referindo-me ao artigo publicado anteriormente, sobre os ataques aos símbolos religiosos na abertura dos Jogos Olímpicos na frança, não havia esperança — pelo menos para mim — de que houvesse alguma reação de religiosos pelo mundo, em especial da Igreja Católica, haja visto a postura do papa em tempos atuais. Contudo, houve sim reações, e foram as mais inusitadas. Listarei algumas:

    A conferência dos Bispos da Igreja Católica Francesa repudiou a releitura da “Ultima Ceia”, que exibe os doze apóstolos sentados à mesa com o Cristo. A obra é conhecida mundialmente, e a versão mais famosa é de 1497, de Leonardo da Vinci, e tradicionalmente mostra Jesus consagrando a Eucaristia.

    O bispo Andrew Cozzens, presidente do Comitê Episcopal dos Estados Unidos para Evangelização e Catequese, pediu aos católicos que respondam ao incidente com oração e jejum.

    “Jesus viveu sua Paixão novamente na sexta-feira à noite em Paris, quando a Última Ceia foi publicamente difamada”, disse Cozzens.

    O bispo alemão Stefan Oster chamou a cena de “Última Ceia queer” de “um ponto baixo e completamente supérfluo”. O arcebispo Peter Comensoli de Melbourne, na Austrália, preferiu o “original”, ao publicar uma fotografia da obra de Da Vinci no Twitter/X.

    Já o padre dominicano Nelson Medina afirmou que não assistirá a uma única cena dos Jogos Olímpicos. “Que repugnante o que fizeram zombando do Senhor Jesus Cristo e seu supremo dom de amor”, disse. “Eles são covardes; não mexeriam com Maomé.”

    O cardeal Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, também lamentou o ocorrido. “Para nós, cristãos, não se trata somente de uma obra de arte”, observou. “Ela retrata o Evangelho e o significado mais profundo e belo da Eucaristia. Será que o deboche a partir da Última Ceia não reproduz e reforça os preconceitos que se querem combater, fazem sofrer… Levaram a violências?”

    Assim, não se trata aqui de apontar grupos A ou B da agenda woke. Reafirmo que não tenho problemas com qualquer pessoa, aliás, não acredito que cor, raça, sexo etc. definam alguém. O que define uma pessoa são suas virtudes e atitudes. O lamentável disso tudo é o ataque a um símbolo religioso (e olha que não sou católico), mas sou cristão, e tenho profundo respeito pela Igreja Católica, que, como disse Chico Xavier, “é a mãe de nossa civilização”.

  • O ataque aos símbolos religiosos na abertura dos Jogos Olímpicos

    O ataque aos símbolos religiosos na abertura dos Jogos Olímpicos

    Dois homens se beijando, ‘drag queens’ recriando a Última Ceia e uma modelo trans: a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 incluiu referências à comunidade LGBTQIA+ (seja lá o que esta sigla signifique em verdade), e despertou no consórcio de imprensa as velhas narrativas de que “bolsonaristas” reagiram às demonstrações de diversidade.

    Não gostaria de escrever sobre este assunto, se a urgência assim não determinasse, porém, com vistas aos fatos, não posso deixar de comentar. Contudo, me precavendo a qualquer interpretação maldosa por parte daqueles que se fazem de desentendidos, deixo claro desde já não se tratar de preconceito a opção sexual de qualquer pessoa. Aliás, duvido muito que a maioria da comunidade gay faça coro a estas cenas patéticas da abertura dos Jogos Olímpicos.

    A cerimônia de abertura dos Jogos na França foram, no mínimo, desprezíveis e lamentáveis. Fico tentando entender o que drag queens e uma Santa Ceia encenada nos moldes da agenda woke têm em comum com jogos olímpicos, que deveriam ser uma integração, uma irmanação entre nações, um momento de paz e convivência com diferentes culturas e religiões. Porém, o que presenciamos foi, antes de mais nada, um ataque aos símbolos sagrados do cristianismo. Apenas como exercício de imaginação, por que o comitê organizador de tais eventos não o faz com os símbolos do Islã? Vale a reflexão. . .

    O que a agenda woke, muito bem representada pelo presidente da França, o esquerdista Emmanuel Macron procura com esta agenda é segregar, colocar uns contra os outros, fazendo com que se enfraqueçam mutuamente, destruir os pilares civilizacionais do ocidente, fazer com que o resto do mundo seja como seu próprio país, um festival de desastres e golpes, desde a famigerada revolução francesa, com a desculpa de estarem lutando pela liberdade e se opondo a opressão da religião e do imperialismo. Meu Deus, este discurso cheira a mofo!

    Pior ainda é ler as manchetes do consórcio de imprensa, todas iguaizinhas, parecendo já estarem escritas e prontas nos grupos de WhatsApp dos jornalistas. Será que não notam o ridículo que estão expondo?

    A Umbanda, como uma religião cristã, que reconhece em Jesus Cristo, Nosso Senhor, o Pai e Governador de nosso planeta, não pode ver com bons olhos o ataque aos símbolos cristãos. Por certo, não possuo a autoridade de falar pela instituição Umbanda, mas posso falar em nome da nossa comunidade de terreiro, na qualidade de sacerdote de Umbanda, e não posso deixar de repudiar o ataque aos símbolos religiosos cristãos.

  • Nem céu, nem inferno, nem umbral. Para onde vão os umbandistas após a morte física?

    Nem céu, nem inferno, nem umbral. Para onde vão os umbandistas após a morte física?

    Pergunte à maioria dos umbandistas de hoje se não receberam catequização, ao menos na infância. Sem dúvida, a grande maioria lhe responderá que sim. Talvez aí já esteja explicado grande parte das crenças e do imaginário de nosso público. Ainda imersos nas descrições clericais da vida pós-morte – sem mencionar o contexto protestante, que tudo faz para apagar a crença na imortalidade, supondo uma possível ressurreição dos corpos, parecida com os dogmas católicos; mas pior ainda: a graça mediante apenas a aceitação de Jesus, nem que seja no último minuto de vida terrena, mesmo que esta tenha sido uma sucessão de erros, pecados, desgraças alheias e tudo mais que o ser humano é capaz de cometer. O principiante umbandista, incapaz de estudar e aprender por si, apenas troca os nomes: deixa de temer o inferno, mas passa a temer o umbral, almeja o céu, que agora passa a se chamar Aruanda.

    O senso comum produz estas aberrações, propagadas pelos umbandistas, estes que deveriam ser os primeiros a mostrar sua crença firme na imortalidade. Contudo, a transferência natural destas crenças milenares, que pregam céus, infernos e purgatórios, onde o sofrimento impera e castiga, nos parecem naturais frente a uma doutrina que não tem mais de 115 anos.

    A filosofia umbandista, que tem na doutrina dos espíritos sua expressão, encontra naquele que foi o codificador, Allan Kardec, a explicação do próprio professor, que sabia ser necessário esclarecer minuciosamente o quadro do novo mundo espiritual que se descortinava. A obra “O Céu e o Inferno”, publicada em Paris, a primeiro de agosto de 1865, traz toda explicação. Porém, há uma particularidade pouco lembrada quanto aos dogmas da igreja. Segundo eles, o sofrimento dos infernos é físico, na pele mesmo. O condenado deve sentir o calor do fogo, o queimar das carnes, o penetrar dos tridentes, a pressão e o trucidar das correntes. Mas quando são enviados aos infernos, esses condenados ainda são – como explica Kardec quanto à concepção da igreja – sem corpo, pois esse morreu e se desfez neste mundo.

    Os condenados, presentemente no inferno, podem ser considerados puros Espíritos, uma vez que só a alma aí desce, e os restos entregues à terra se transformam em ervas, plantas, minerais e líquidos, sofrendo inconscientemente as metamorfoses constantes da matéria. (O céu e o Inferno, página 53).

    Não se pode esquecer-se desse processo, quando se trata da doutrina da igreja! No momento da morte, ninguém sofre ainda. Só depois, quando Deus destruir este mundo e, no juízo final, restituir os corpos, agora imortais, mas feitos igualmente de carne e ossos, para que o sofrimento no inferno seja físico, real, fisiológico. Desse modo, continua Kardec:

    “Os eleitos ressuscitarão, contudo, em corpos purificados e resplendentes, e os condenados em corpos maculados e desfigurados pelo pecado. Isso os distinguirá, não havendo mais no inferno puros Espíritos, porém homens como nós. Conseguintemente, o inferno é um lugar físico, geográfico, material, uma vez que tem de ser povoado por criaturas terrestres, dotadas de pés, mãos, boca, língua, dentes, ouvidos, olhos semelhantes aos nossos, sangue nas veias e nervos sensíveis” (Idem, ibidem).

    Aqui está o ponto fundamental deste artigo. A concepção dos infernos considera um lugar físico, material, semelhante ao mundo atual, todavia piorado. Não chega a luz do sol, não se percebe o suceder dos dias e noites, não há lua. Um cheiro insuportável de enxofre, fumaça, suor, sangue. Labaredas de fogo, caldeirões fumegantes. Desolação e sofrimento sem fim. É preciso considerar um Deus bastante vingativo que odeia muito aqueles que o desobedeceram para condenar alguém a viver eternamente nesse horror! É algo para se pensar à parte. Basta imaginar que uma inocente criança, simples e alegre em seu lar, nos braços de seus pais, cuidada com amor e carinho, mas que não tenha sido batizada! Arrisca, a coitadinha, de sair desse lar aconchegante e, depois do juízo, se ver sozinha, fugindo dos tormentos dos demônios, abandonada eternamente pelo seu criador!

    A doutrina espírita oferece uma explicação bastante diversa da vida após a morte. Primeiramente, o mundo espiritual é também um lugar físico, mas cujas propriedades são completamente diferentes de nosso mundo. Enquanto aqui, se colocarmos pessoas de personalidades diversificadas, como a mãe de Jesus, um bandido, Herodes, camponeses e um filósofo genial, todos numa sala, e fizermos uma fogueira enorme, todos irão suar de calor, não importa o quanto difiram moral e intelectualmente. Ao levarmos esse mesmo grupo para o polo norte, todos iriam sofrer um frio lancinante, igualmente. O corpo físico de todos nós reage da mesma forma, conforme o ambiente físico no qual se encontra. Esse raciocínio valeria caso a vida futura ocorresse, como a doutrina das igrejas cristãs imaginam o céu e o inferno. Os espíritos superiores ensinam, porém, que o mundo espiritual tem a particularidade de ser influenciado diretamente pelo que pensam e sentem seus habitantes. É o inverso de nosso mundo. Aqui, o ambiente influencia nosso corpo (lugar frio esfria o corpo). No mundo dos espíritos, segundo o espiritismo, o corpo espiritual tem a propriedade de ser mais denso e materializado, quando o espírito está apegado às emoções e imperfeições, e torna-se leve, tênue, alcança distâncias, pode transpor-se para outros planos, quando o espírito evolui intelecto-moralmente.

    Ou seja, um bom espírito ganha, pela constituição mesma de seu perispírito, a liberdade de agir, de ir e vir, de transportar-se pelos orbes. Enquanto isso, um espírito imperfeito, pela condição materializada de seu corpo espiritual, em virtude do padrão de seus pensamentos e sentimentos, tem reflexos das sensações materiais e vivencia as ILUSÕES do frio, calor, sede, fome, medo e tantos outros. São ilusões, mas com plena realidade pela subjetividade do próprio espírito, ao se manter prisioneiro de suas próprias escolhas! Quando uma diversidade de espíritos presos aos seus apegos, imersos na raiva, medo, vingança, inveja, materializam o perispírito e estão juntos, vão moldando o ambiente ao seu redor pela força de seu pensamento. Eles poderiam criar um ambiente agradável, belo, sublime até. Mas suas ideias fixas não deixam. Seus pensamentos densos criam ambientes escuros, pesados e desagradáveis. Mais ainda, não há um lugar onde os espíritos sofredores sejam jogados para sofrer. É o inverso. São os pensamentos e sentimentos densos, as imperfeições morais do próprio indivíduo, a causa do ambiente que ele cria para si.

    O mundo espiritual é imanente a este, é bom lembrar. Nós, encarnados, estamos vivendo em dois mundos ao mesmo tempo. Aqui, com o corpo físico. E no mundo espiritual, com nosso perispírito. Não faz sentido, então, nos preocuparmos com o lugar que iremos após à morte. O raciocínio é outro! Onde já estamos no mundo espiritual agora? Segundo nosso padrão de pensamentos e sentimentos, estamos sintonizados, ambientados, em determinadas condições espirituais. Quem tem raiva constante, materializa também o perispírito. Quem se desprende, permanece sereno, vive em cada momento sua emoção adequada. Não se apega aos fatos passados, revivendo emoções passadas. Esse mantém seu perispírito leve, suave, desmaterializado. Céu e inferno são criações pessoais de cada um de nós. São escolhas livres, regidas por leis naturais. A autonomia é o fundamento da vida.

    E como fazer para sair dessa situação difícil na qual se encontram muitos espíritos depois da morte? Há uma só saída: A vontade. Nenhum outro ser pode mudar o padrão de pensamento e sentimento do outro, só ele mesmo. Só muda quem quer mudar. Quando um espírito decide sair do sufoco e sofrimento que está vivendo, basta uma prece sincera a Deus, um apelo aos bons espíritos, e será imediatamente auxiliado, por alterar voluntariamente seus pensamentos! Não é preciso ficar absolutamente puro para mudar sua vida. Basta uma mudança em suas disposições morais, explicou Kardec. E isso está ao alcance de todos. Guarde esse ensinamento. Um dia ele poderá, certamente, lhe ser útil!