Categoria: Umbanda

  • Nem céu, nem inferno, nem umbral. Para onde vão os umbandistas após a morte física?

    Nem céu, nem inferno, nem umbral. Para onde vão os umbandistas após a morte física?

    Pergunte à maioria dos umbandistas de hoje se não receberam catequização, ao menos na infância. Sem dúvida, a grande maioria lhe responderá que sim. Talvez aí já esteja explicado grande parte das crenças e do imaginário de nosso público. Ainda imersos nas descrições clericais da vida pós-morte – sem mencionar o contexto protestante, que tudo faz para apagar a crença na imortalidade, supondo uma possível ressurreição dos corpos, parecida com os dogmas católicos; mas pior ainda: a graça mediante apenas a aceitação de Jesus, nem que seja no último minuto de vida terrena, mesmo que esta tenha sido uma sucessão de erros, pecados, desgraças alheias e tudo mais que o ser humano é capaz de cometer. O principiante umbandista, incapaz de estudar e aprender por si, apenas troca os nomes: deixa de temer o inferno, mas passa a temer o umbral, almeja o céu, que agora passa a se chamar Aruanda.

    O senso comum produz estas aberrações, propagadas pelos umbandistas, estes que deveriam ser os primeiros a mostrar sua crença firme na imortalidade. Contudo, a transferência natural destas crenças milenares, que pregam céus, infernos e purgatórios, onde o sofrimento impera e castiga, nos parecem naturais frente a uma doutrina que não tem mais de 115 anos.

    A filosofia umbandista, que tem na doutrina dos espíritos sua expressão, encontra naquele que foi o codificador, Allan Kardec, a explicação do próprio professor, que sabia ser necessário esclarecer minuciosamente o quadro do novo mundo espiritual que se descortinava. A obra “O Céu e o Inferno”, publicada em Paris, a primeiro de agosto de 1865, traz toda explicação. Porém, há uma particularidade pouco lembrada quanto aos dogmas da igreja. Segundo eles, o sofrimento dos infernos é físico, na pele mesmo. O condenado deve sentir o calor do fogo, o queimar das carnes, o penetrar dos tridentes, a pressão e o trucidar das correntes. Mas quando são enviados aos infernos, esses condenados ainda são – como explica Kardec quanto à concepção da igreja – sem corpo, pois esse morreu e se desfez neste mundo.

    Os condenados, presentemente no inferno, podem ser considerados puros Espíritos, uma vez que só a alma aí desce, e os restos entregues à terra se transformam em ervas, plantas, minerais e líquidos, sofrendo inconscientemente as metamorfoses constantes da matéria. (O céu e o Inferno, página 53).

    Não se pode esquecer-se desse processo, quando se trata da doutrina da igreja! No momento da morte, ninguém sofre ainda. Só depois, quando Deus destruir este mundo e, no juízo final, restituir os corpos, agora imortais, mas feitos igualmente de carne e ossos, para que o sofrimento no inferno seja físico, real, fisiológico. Desse modo, continua Kardec:

    “Os eleitos ressuscitarão, contudo, em corpos purificados e resplendentes, e os condenados em corpos maculados e desfigurados pelo pecado. Isso os distinguirá, não havendo mais no inferno puros Espíritos, porém homens como nós. Conseguintemente, o inferno é um lugar físico, geográfico, material, uma vez que tem de ser povoado por criaturas terrestres, dotadas de pés, mãos, boca, língua, dentes, ouvidos, olhos semelhantes aos nossos, sangue nas veias e nervos sensíveis” (Idem, ibidem).

    Aqui está o ponto fundamental deste artigo. A concepção dos infernos considera um lugar físico, material, semelhante ao mundo atual, todavia piorado. Não chega a luz do sol, não se percebe o suceder dos dias e noites, não há lua. Um cheiro insuportável de enxofre, fumaça, suor, sangue. Labaredas de fogo, caldeirões fumegantes. Desolação e sofrimento sem fim. É preciso considerar um Deus bastante vingativo que odeia muito aqueles que o desobedeceram para condenar alguém a viver eternamente nesse horror! É algo para se pensar à parte. Basta imaginar que uma inocente criança, simples e alegre em seu lar, nos braços de seus pais, cuidada com amor e carinho, mas que não tenha sido batizada! Arrisca, a coitadinha, de sair desse lar aconchegante e, depois do juízo, se ver sozinha, fugindo dos tormentos dos demônios, abandonada eternamente pelo seu criador!

    A doutrina espírita oferece uma explicação bastante diversa da vida após a morte. Primeiramente, o mundo espiritual é também um lugar físico, mas cujas propriedades são completamente diferentes de nosso mundo. Enquanto aqui, se colocarmos pessoas de personalidades diversificadas, como a mãe de Jesus, um bandido, Herodes, camponeses e um filósofo genial, todos numa sala, e fizermos uma fogueira enorme, todos irão suar de calor, não importa o quanto difiram moral e intelectualmente. Ao levarmos esse mesmo grupo para o polo norte, todos iriam sofrer um frio lancinante, igualmente. O corpo físico de todos nós reage da mesma forma, conforme o ambiente físico no qual se encontra. Esse raciocínio valeria caso a vida futura ocorresse, como a doutrina das igrejas cristãs imaginam o céu e o inferno. Os espíritos superiores ensinam, porém, que o mundo espiritual tem a particularidade de ser influenciado diretamente pelo que pensam e sentem seus habitantes. É o inverso de nosso mundo. Aqui, o ambiente influencia nosso corpo (lugar frio esfria o corpo). No mundo dos espíritos, segundo o espiritismo, o corpo espiritual tem a propriedade de ser mais denso e materializado, quando o espírito está apegado às emoções e imperfeições, e torna-se leve, tênue, alcança distâncias, pode transpor-se para outros planos, quando o espírito evolui intelecto-moralmente.

    Ou seja, um bom espírito ganha, pela constituição mesma de seu perispírito, a liberdade de agir, de ir e vir, de transportar-se pelos orbes. Enquanto isso, um espírito imperfeito, pela condição materializada de seu corpo espiritual, em virtude do padrão de seus pensamentos e sentimentos, tem reflexos das sensações materiais e vivencia as ILUSÕES do frio, calor, sede, fome, medo e tantos outros. São ilusões, mas com plena realidade pela subjetividade do próprio espírito, ao se manter prisioneiro de suas próprias escolhas! Quando uma diversidade de espíritos presos aos seus apegos, imersos na raiva, medo, vingança, inveja, materializam o perispírito e estão juntos, vão moldando o ambiente ao seu redor pela força de seu pensamento. Eles poderiam criar um ambiente agradável, belo, sublime até. Mas suas ideias fixas não deixam. Seus pensamentos densos criam ambientes escuros, pesados e desagradáveis. Mais ainda, não há um lugar onde os espíritos sofredores sejam jogados para sofrer. É o inverso. São os pensamentos e sentimentos densos, as imperfeições morais do próprio indivíduo, a causa do ambiente que ele cria para si.

    O mundo espiritual é imanente a este, é bom lembrar. Nós, encarnados, estamos vivendo em dois mundos ao mesmo tempo. Aqui, com o corpo físico. E no mundo espiritual, com nosso perispírito. Não faz sentido, então, nos preocuparmos com o lugar que iremos após à morte. O raciocínio é outro! Onde já estamos no mundo espiritual agora? Segundo nosso padrão de pensamentos e sentimentos, estamos sintonizados, ambientados, em determinadas condições espirituais. Quem tem raiva constante, materializa também o perispírito. Quem se desprende, permanece sereno, vive em cada momento sua emoção adequada. Não se apega aos fatos passados, revivendo emoções passadas. Esse mantém seu perispírito leve, suave, desmaterializado. Céu e inferno são criações pessoais de cada um de nós. São escolhas livres, regidas por leis naturais. A autonomia é o fundamento da vida.

    E como fazer para sair dessa situação difícil na qual se encontram muitos espíritos depois da morte? Há uma só saída: A vontade. Nenhum outro ser pode mudar o padrão de pensamento e sentimento do outro, só ele mesmo. Só muda quem quer mudar. Quando um espírito decide sair do sufoco e sofrimento que está vivendo, basta uma prece sincera a Deus, um apelo aos bons espíritos, e será imediatamente auxiliado, por alterar voluntariamente seus pensamentos! Não é preciso ficar absolutamente puro para mudar sua vida. Basta uma mudança em suas disposições morais, explicou Kardec. E isso está ao alcance de todos. Guarde esse ensinamento. Um dia ele poderá, certamente, lhe ser útil!

  • Dona Conceição, Ana Maria e Pomba-gira Maria Padilha

    Dona Conceição, Ana Maria e Pomba-gira Maria Padilha

    Conheci Conceição em meados do século XIX. Mulher séria, bela, fina e recatada. Em existência anterior, era de nacionalidade russa. Muito nova, foi iniciada na prostituição, algo comum na Rússia do século XVIII. As moças de famílias pobres, contando com pouco mais de 12 ou 13 anos, eram forçadas a trabalhar em casas do tipo para obter alguma provisão. Viviam uma vida parecida com mariposas, pois durante o dia passavam ou trancadas em quartos escuros nos prostíbulos – para não serem descobertas pela perseguição estatal – ou aventuravam-se nas ruas, disfarçadas, para tentarem chegar às suas casas e visitar familiares.

    Deixou o corpo físico nesta miserável existência aos 21 anos, acometida de sífilis. Confidenciou-me que, na ocasião, seu corpo foi desovado em sacos e destinado ao lixo comum, para não levantar suspeitas. Aliás, este era o destino da maioria das moças que se aventuravam a esta vida na “Mãe Rússia”.

    Reencarnou no Brasil do século XIX, uma carioca como eu; todavia, não com a mesma sorte. Conceição, mais uma vez, foi submetida à vida mundana à qual teve na pátria anterior.

    Nascida em berço de ouro, filha de coronel brasileiro, aventurou-se a amar quem lhe era proibido. Os casamentos arranjados da época eram quase sentenças às mulheres. Era preciso unir fortunas e expandir o poder familiar; este era o pensamento de então. Conceição foi desmascarada; seu amor proibido foi descoberto. Seu amante deixou a existência pela mão do carrasco empregado do coronel. Conceição foi expulsa de casa e deserdada da família, lavando assim a honra da mesma.

    Conceição desencarnou doente, mais uma vez, por febre e desnutrição. Brasileira de alma e coração, decidida a mudar a vida das mulheres, organizou no astral sua falange, para mudar este estado de coisas. “A família é importante, assim como o casamento” – nos diz Conceição. “Contudo, deve nascer do amor, da afinidade, do bem-querer, da renúncia de ambos, tanto do marido quanto da mulher. Casamento não nasce para dar certo ou errado. É uma construção, e como tal, deve trabalhar todos os dias para seu êxito”.

    Conceição ou Pomba-gira Maria Padilha é hoje a chefe de falange mais importante no plano astral, dentro da instituição Exu. Jamais conheci mulher de tanta coragem e fibra, comparada somente àquela que todos bem conhecem, principalmente os gaúchos de nossa pátria, chamada de Anita Garibaldi (Ana Maria de Jesus Ribeiro), a heroína de dois mundos. Espero um dia conhecê-la; ainda não tive este privilégio. Conta-se aqui que guerreava prenha, deu à luz sozinha, escondida no matagal à espera do marido, Guiuseppe, que levou dias para encontrá-la em meio à guerra. Ah, se as mulheres de hoje tivessem só um pouquinho das “Conceições” ou das “Anitas”. . . Que mundo melhor teríamos. . .

    Mui respeitosamente.

    Ana Rita.

  • A história de Maria Molambo da encruza

    A história de Maria Molambo da encruza

    Para quem me conhece há mais tempo, sabe que sou um fumante inveterado. O hábito de fumar, tão demonizado pelo nosso tempo, para mim, que não pertenço ao inconsciente do politicamente correto, é algo que me acalma, e faz o cérebro funcionar um pouco melhor. Pois bem, estava fumando meu cigarro, o relógio marcando quase meia-noite, a hora grande da Umbanda. Os estudos são mais produtivos a noite, e tudo fica mais claro, muito mais claro. Pensava na Pomba Gira, que tanto me desperta encantos. Sim, moça séria, que tem algo que incomoda. Pensava nela, e queria saber: Quem foi esta mulher em vida? Fez algo de importante? Foi acaso uma nobre, ou uma plebeia. Minha cabeça fervia…

     — Sabia seu moço que você é por demais atrevido?

    Congelei dos pés à cabeça. Uma voz doce, suave, mas sarcástica soou ao pé do ouvido.

     — Quem és? Tive a pachorra de perguntar. Mas não sei como, já sabia se tratar dela.

    — És burro ou idiota? Não me chamou querendo saber de mim? Então, te atenta que não tenho tempo a perder. Sou uma mulher ocupada. Detesto coisas fúteis e infantilidades. Já perdi muito tempo de minha existência com elas, e simplesmente não me submeto mais a isso. Só vim porque creio que pode ser útil estas notas. Vai menino, anota aí, e cuida que não repetirei nada.

    — Estou honrado e pronto a lhe ouvir. Falei isto e me calei, entendi que ali eu não estava em uma situação privilegiada, mas sim, por um acréscimo da misericórdia divina, servia de escrivão a alguém muito importante. As linhas que seguem foram difíceis de serem escritas. Minhas mãos quase não respondiam a meus comandos, devido às emoções que se misturavam em minha mente ao ouvir a voz de um espírito feminino que, por um instante, deixava de ser Maria Molambo e era apenas Ana Rita, o nome deste espírito em sua última encarnação.

    — Nasci e me criei na cidade do Rio de Janeiro. Batizada com o nome de Ana Rita, fui uma carioca do século XIX. De descendência portuguesa, e com a vinda da família real para o Brasil, que realizou importantes mudanças no País, consegui estudar, coisa que não era para muitas mulheres ainda. Adquiri cultura e erudição tanto quanto me foi possível. Não preciso me estender sobre detalhes aqui, pois não será difícil para aqueles que conhecem um pouco da história deste país concluir que pertencia à elite carioca. Minha família era quase toda, ou ligada ao exército, a política e a agricultura. Sabe, não direi que tive uma infância e adolescência ruim não, ao contrário, eram anos de alegria.

    No meu baile de 15 anos, fui prometida àquele que seria meu companheiro durante toda a vida. Omitirei seu nome, consta nos livros da história política deste país. Tive a honra de ter um baile de 15 anos, coisa para poucas moças da época, além de ser algo relativamente novo em nossa sociedade, trazido por franceses que fugiram dos horrores da revolução francesa e eram ligados à nossa família. Pois bem, vi aquele homem pela primeira vez naquela noite, e ele não tardou em conversar com meu pai e arranjar o casório que logo aconteceu. Nesta época, mulheres eram corajosas e talhadas para assumir um lar, tão logo conseguissem entender algo da vida. O matrimônio, filhos e todas as responsabilidades de uma mulher não eram nadas assustadoras.

    Meu esposo, que era deputado do então município neutro, do Rio de Janeiro, era um dos chefes do partido liberal da época. Era um liberal sincero, moderado em seus sentimentos políticos, tolerante para com seus adversários, e principalmente monarquista franco e dedicado às instituições públicas deste país.

    Ao seu lado, por sua influência e incentivo, escrevi diversas vezes para jornais da época; claro, sempre usando codinomes para não despertar embates piores dos que sofríamos. Apesar de toda liberdade trazida com a instalação da corte no país, onde tínhamos uma liberdade sem igual, principalmente na imprensa e nas ideias, queríamos estender esta liberdade para todas as áreas da vida humana. Lutávamos por liberdade econômica, o fim da escravatura, a qual já tínhamos conseguido muitos avanços e leis que davam alguma proteção aos escravos, assim como educação pública para toda população. Tínhamos amplo acesso a Coroa, eu e meu esposo, e assim participamos de importantes mudanças na vida cultural brasileira. O fim da censura prévia e o clima de ampla liberdade de imprensa favoreceram a produção cultural. Os jornais foram os grandes divulgadores dos romances sob a forma de folhetins. Saber ler e escrever, ainda que restrito ao ambiente da Corte e às grandes cidades, foram abrindo caminhos para as transformações. Abriram-se dezenas de escolas para meninos em sua maioria, mas também meninas começavam a ter algum acesso. Sabe, sinto uma tristeza profunda em ver sua geração não guardar, nem valorizar o que fizemos. Quem não honra seus antepassados perde a memória, e entram para o rol dos ingratos. Sabemos quem são os canalhas responsáveis por isso. Alguns já estão aqui, outros logo virão, e não perdem por esperar.

    Então moço, lembro com carinho estes tempos, mas fato é que me casei, tive dois filhos, uma menina e um menino, um marido exemplar, que hoje continua ao meu lado como valoroso companheiro, onde ele também engrossa as fileiras da organização, e somos bons amigos. Não guardamos mais nosso vínculo de matrimônio por opção nossa. Meus filhos seguiram outros caminhos, e nos visitamos periodicamente.

    Já responderei o que você quer saber, vamos lá. (Neste ponto da narrativa a danada leu meus pensamentos, pois queria saber como alguém que, parecendo não ser uma grande devedora da lei, se tornou uma Pomba-gira).

    Em nossa casa havia uma governanta, que foi presente de meu pai quando nos casamos. Sim, uma escrava, mas que em nossa casa nunca foi tratada como tal, mas como alguém da família. Seu nome era apenas Maria, carinhosamente chamada por nós de Dona Maria. Logo após meu casamento, comecei a ter algumas “alucinações”, era assim que eu entendia. Ouvia vozes e via o que mais ninguém via, comecei a ficar louca, pois não entendia aquilo e pensava: só pode ser castigo de Deus, pois estou lutando contra o clero — os integrantes do partido conservador, o qual fazíamos oposição, eu veladamente na imprensa e meu esposo na Câmara, eram em sua maioria do Clero — e eu então, acreditava ser um castigo divino. Dona Maria, um belo dia que não sairá jamais de minha memória, chamou-me e disse: — “Sinhá, descurpa o que vo lhe dize, mas tu tá com incosto. Teus Orixá me conto. Pode me surra e castiga por tá falando ansim, mais não guento mais ve sunce ansim”.

    Narro com as palavras dela, porque são inesquecíveis, mudaram minha vida. A partir daquele dia, com a ajuda desta que foi uma segunda mãe para mim, foi me revelado um plano das trevas arquitetado por encarnados, nossos inimigos nas lides para nossa destruição. Comecei a entender o mundo espiritual, dos Orixás, e fui agraciada por ter ela como minha Yalorixá, a qual colocou a mão na minha cabeça e me iniciou à Iansã. Me ajudou e guiou os primeiros passos na vida mediúnica, pois fui laureada com a mediunidade ostensiva na minha última reencarnação. Ainda assim, também por influência do meu esposo, fizemos parte do primeiro grupo espírita nascente do Rio de Janeiro, onde me aprimorei em estudos na doutrina dos espíritos.

    Meu marido desencarnou antes de mim, e segui o resto dos meus dias fazendo por nós dois, lutando contra um estado de coisas que crescia em nosso país, fazendo todo bem que me era possível, cuidando de nossa família, estudando a doutrina dos espíritos, trabalhando em mesas de desobsessão e estudos espíritas. Não me casei novamente após a partida de meu esposo, não que me faltassem pretendentes, mas sentia a influência e o carinho daquele que me foi companheiro e nossos ideais seguiam vivos dentro de mim, o que era suficiente. Sorte minha ter pensado assim quando na carne. Resisti a minhas inclinações que me eram reminiscências de outras existências, e que por vezes levam milênios para serem quitadas. Apesar disso, eu era, sim, muito exibida, me vestia com extremo bom gosto e era muito bela. Fazia questão de expor este atributo de Deus, que havia me presenteado na encarnação.

    Então, seu moço, nenhuma história cabe em uma página de jornal, e sei que tu vais colocar lá isso. Pincelei aqui e ali, para entenderem: Para ser Exu ou Pomba Gira de Umbanda não é necessário ter sido prostituta, ou assassino quando encarnado. Muito pelo contrário, pois aqueles que foram por demais caídos e cometeram crimes hediondos ou com grandes danos a humanidade, podem até serem aceitos, mas não sem muitos anos de treinamento e estudo, o contrário daqueles pouco devedores da lei. Também aqueles que pensam me invocar para “amarrar homem”, destruir uma família, seduzir amantes e tudo mais o que a mente doente deste século pode criar entre os encarnados, estão redondamente enganados. Se eles são idiotas, e o são, eu não sou, e posso falar por meus pares da organização. Aqui não tem pessoas como vocês que tem um sentimento agudo dos próprios direitos e o completo amortecimento do senso de dever.

    Procurei me integrar a organização tão logo foi criada, por meio de outros amigos que tenho até hoje neste lado da vida. O golpe fatal que me fez vir para o lado da organização foi em 1889, quando, já desencarnada, presenciei o triunfo do mal em nosso país. Sei que alguns não entenderão minha colocação, mas cada um que pense por si. Então o sentimento de continuar sendo útil à minha pátria que tanto amei e a este povo, meu amor sincero pelos Orixás, analisadas minhas obras na terra, em virtude do seu valor, obras de luz, de ascensão, de preservação, de progresso e para o bem público, as quais havia consagrado minha vida na terra me deram credenciais para fazer parte da organização. E por que Molambo? Lembra de quando falei que adorava me exibir frente a todos? Prefiro não dar sorte ao azar não. Melhor evitar que “coisas” de encarnações bem passadas retornem e me façam escrava novamente. Então, Molambo lembra alguém que é molambento né? Melhor ser vista assim, e para lembrar que molambo vem de lixo, e meu prazer é arrastar o “lixo” humano para o lado de cá e cuidar dele com muito afinco. Ah, ah, ah, ah, ahaaaaa. Despeço-me, com escusas pela escrita, que infelizmente o “aparelho” do qual me sirvo é extremamente limitado e não me deixa “fruir” a contento, ah, ah, ah, ahaaaa. Quem sabe um dia conto tudo? Quem sabe. Além disso, adoro este provérbio árabe: “Não repares em quem sou, mas recebe o que te dou”.

    Respeitosamente, com lembranças mui particulares, Ana Rita, hoje Maria Molambo da Encruza.

    Após estas linhas ainda pacóvio; as gargalhadas que ouvi quando não conseguia codificar as ideias recebidas, o sentimento de estar em meu lugar, ou seja, a sensação de não ser nada e, ao mesmo tempo, o tudo para mim mesmo; enfim, me recolho também ao descanso, não sem antes meditar sobre cada palavra deste espírito.

  • O Caboclo Xangô 7 Raios

    O Caboclo Xangô 7 Raios

    Escrever sobre nosso Guia espiritual, no caso o Caboclo Chefe da Tenda de Umbanda Xangô 7 Raios, é uma tarefa de responsabilidade, e, ao mesmo tempo, de grande peso sobre os ombros. De responsabilidade devido à gravidade do que aqui vamos expor; de peso sobre os ombros pelo fato de haver a necessidade de ser o mais fiel possível ao nosso Guia espiritual.

    Meu primeiro contato com este Espírito se deu no início dos anos 2000, através da mediunidade de seu “aparelho” – nome pelo qual os Guias de Umbanda comumente chamam seus médiuns. Caboclo de nome pouco comum de encontrarmos nos terreiros, exerce um tipo de magnetismo especial naqueles que tem a oportunidade de receber um passe e consultar com este Espírito, apesar de Xangô 7 Raios ser de poucas palavras e direto nas suas colocações. Com relação a esta atração que seus consulentes sofrem, é um fato atestado por todos os que podem conviver com este Guia, sendo muito requisitado para consultas recorrentes por seus consulentes.

    Na exteriorização de suas manifestações, guarda um rosto levemente sisudo em seu médium, andando de um lado para outro com uma mão fechada sobre o peito, como se segurasse alguma coisa na mão. Aplica passes rápidos por vezes, outras de forma mais lenta (creio que seja pela necessidade do momento), mas sempre passes que guardam uma aparência de “pressa”. Digo esta palavra apenas para ilustrar seus trejeitos, e não que o referido Espírito realmente assim proceda, pois alguns de seus consulentes chegam a ficar por períodos superiores a um quarto de hora junto ao Espírito.

    Em relação às orientações e a forma deste Espírito governar nossa Tenda, posso afirmar que prima pela autonomia, pouco opinando sobre questões ritualísticas corriqueiras, apenas fazendo em questões mais sérias. Contudo, não guarda muita paciência se acaso suas orientações não são seguidas pela corrente mediúnica, sendo rígido em relação ao horário de início dos trabalhos, respeito às falanges que se manifestarão no dia, assiduidade das sessões e conduta moral dos médiuns. Algo que este Caboclo não admite é o cancelamento de uma sessão de caráter público, de atendimento aos necessitados. Segundo o próprio Espírito, não pode haver impedimentos para que os trabalhos não aconteçam, salvo por algum motivo de calamidade pública ou algo parecido. Nas palavras do próprio Guia: “não pode haver impedimentos que justifiquem a ausência dos trabalhos. A missão de socorro aos necessitados obedece ao lema aplicado aos verdadeiros médicos do corpo, o qual hauri do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti”:

    O médico, o verdadeiro médico, é isto; não tem o direito de acabar a refeição, de escolher a hora, de inquirir se é longe ou perto o gemido que lhe chega aos ouvidos, a pedir-lhe, ao menos, o bálsamo da consolação, que já é de suma caridade. O que não acode por estar com visitas, por ter trabalhado muito e achar-se fatigado, por ser alta noite, ou ser mau o tempo, ou ficar muito longe e muito alto o lugar para onde é chamado.” (Bezerra de Menezes)

    No tocante as forças espirituais que este Caboclo representa, segundo seus próprios ensinamentos, ele obedece à linha do Orixá Xangô, mas pode atuar como uma espécie de mensageiro dentro das outras 6 linhas, pois como seu próprio nome ostenta, tem autorização para trabalhar em todas as linhas de Umbanda (os 7 Raios).

    Caboclo Xangô 7 Raios é um Espírito de grande saber, profundo conhecedor da doutrina dos Espíritos, e percebe-se com facilidade que sua seara de trabalhos vai além da Umbanda. Apesar de não ostentar, lida com a magia de Umbanda de forma maestral, mas acima disso tudo, tem um profundo sentimento Cristão, e seu amor ao próximo, seja encarnado ou desencarnado transparece na sua egrégora.

    Um fraterno Saravá, e salve Pai Xangô 7 Raios.

  • O Espírito obsessor

    O Espírito obsessor

    Aguardava meu parceiro astral para mais um encontro. Já se passavam das 22 horas de uma noite fria. Aliás, hoje é primeiro de agosto, a lua cheia ilumina de maneira a desentenebrecer a noite. Acendo um cigarro, o silêncio impera…

    – Boa noite, demorei a chegar? Ah!ah!ah!ah! Como tem passado?

    — Salve minha comadre – a voz que ouvi era feminina, porém, esperava meu velho parceiro, o jornalista do além “A Noite” – bem, muito bem. Esperava outra pessoa, mas reconheço a voz.

    – Sim, sou eu, Maria Molambo. Trouxe comigo uma conhecida. Na verdade, nos conhecemos a poucos dias, de maneira quase forçada, se é que me entende. Ela vai esclarecer algumas coisas, e eu vou lhe ditar menino. Faça as anotações.

    Logo percebi que Maria Molambo referia-se a algum espírito obsessor, uma marginal do astral, e por algum motivo trazia esta pobre irmã, carente que é, na verdade, para nos brindar com uma mensagem.

    – Não importam nomes, apenas sou alguém que me deixei levar pelo espírito dos tempos modernos. Fui adestrada – este é o melhor termo – para trabalhar do outro lado, perturbando a vida dos que continuam presos a carne. São presas fáceis, e temos todo o mundo, ou melhor, todo aparato do mundo da matéria do nosso lado. Àqueles que pensam que a magia negra ainda é o problema deste século, estão muito enganados. Vou lhes contar meu modus operandi:

    Não precisamos mais direcionar leituras ou algo do tipo para afastar alguém de Deus. Isso até fazia sentido há alguns séculos, quando as pessoas ainda tinham algum senso de lógica. Ora, naquela época, as pessoas sabiam muito bem quando algo tinha sido provado logicamente e quando não; e quando tinha sido provado, elas criam de verdade. Elas ainda faziam associação entre pensamento e ação, e estavam dispostas a mudar seu estilo de vida em decorrência de ideias racionalmente encadeadas. Vocês são imunes a argumentação, então facilita-nos o trabalho. A imprensa diária e outras armas do tipo, todas, salvo exceções, já dominadas por nós, a serviço das trevas, nos trazem completo domínio da situação.

    A grande massa do seu tempo está presa no fluxo das percepções imediatas, e as questões universais estão longe. Não precisamos perder tempo argumentando em vossos pensamentos, já são nossos os vossos. Já não conseguem mais distinguir em “verdadeiro” ou “falso”; vocês apenas entendem o jargão. Esses processos, dos quais são vítimas, os iniciamos há séculos, quando os fizemos caminhar sem Deus, e fizemos de tudo para que o humanismo dominasse as mentes certas. A era da razão, o homem como centro de tudo, e agora o novo deus. As leis criadas por Deus já não eram mais necessárias, não é? Conseguimos. O vosso “show business”, os intelectuais, formadores de opinião, professores de todas as cátedras, artistas, e mais uma infinidade de idiotas do vosso tempo estão a nosso serviço.

    Agora, na fase que estamos, a revolução sexual alcançará o ápice. O alvo é a extinção da família e de todo o respeito, além é claro de deixar os perdidos mais perdidos, pois não terão nem para onde voltar após os desastres finais. Todos serão idiotas úteis, e que depois serão descartados até por nós. E veja bem, nosso trabalho é tão perfeito, que temos todo aparato dos Estados conosco, a opinião pública; científica (esta inclusive está sendo um braço armado, e bem armado); assim como das religiões, inclusive a vossa. Quantos sacerdotes você acha que se salvarão? Pois é, acho que se a arca de Noé fosse reconstruída, faltariam tripulantes humanos.

    — Já chega, – sentenciou Maria Molambo – você percebeu menino a tranquilidade que isso é narrado e descrito por essa gente?

    – Estou perplexo, minha Senhora. É quase inacreditável, no entanto, sinto a familiaridade com nossos tempos.

    – Vamos encerrar por aqui. Arrisquei-me em trazer ela até nossa redação. Foi dominada recentemente, juntamente com outras companheiras de jornada obscura, e continuam sendo procuradas por outros de suas falanges. Vou levá-la de volta para sua cela, onde vou oferecer-lhe um tratamento estupendo, onde em breve ela será uma madre, ah!ah!ah!ah!

    – Obrigado Senhora por arriscar-se para tão nobre tarefa. Rogo a Deus para que este esforço não seja em vão.

    Que o Senhor nos abençoe.

  • Umbanda, um espaço de fé

    Umbanda, um espaço de fé

    — Salve menino. Como estás? Tenho uma breve mensagem hoje.

    — Estou bem velho amigo. Então, não vamos perder tempo. Pode ditar-me:

    — A sessão de Umbanda, salvo quando de doutrina e desenvolvimento mediúnicos, dois trabalhos muito específicos, são sempre trabalhos espirituais direcionados para o culto do Espírito, das coisas eternas, daquilo que realmente deve ser nosso objetivo no plano da matéria. Outrossim, também a adoração a Deus, a devoção aos sagrados Orixás e Guias espirituais de Umbanda soma-se a finalidade última do trabalho.

    Devemos sempre lembrar que o templo de Umbanda não é um mercado, onde buscamos uma mercadoria para consumo, ou balcão de trocas onde uma barganha qualquer abre facilidades. A casa de Umbanda é, sobretudo, um templo religioso, uma Igreja como outra qualquer, onde vamos uma vez por semana ao menos, para praticar nossa religiosidade e buscar espiritualidade. Não podemos nos render aos entendimentos que colocam a Umbanda como uma casa de milagres, aonde vamos apenas em busca de soluções para problemas de qualquer ordem.

    Por certo a Umbanda, através da mediunidade, tem também a função de aliviar, aconselhar, tratar o corpo e o espírito, e jamais deixará de cumprir sua missão. Contudo, se faz necessário que seus devotos tenham a consciência de que o templo de Umbanda é também um local sagrado, consagrado a Deus e seus agentes, os Orixás e bons Espíritos.

    Acender uma vela, bater cabeça, cantar um ponto, colocar as guias, estar em uma corrente de Umbanda… ou dirigir-me até o templo, tomar lugar na assistência, beneficiar-me do passe e da egrégora proporcionada pelos Orixás e Guias de Umbanda… tudo faz bem, afasta o materialismo, aproxima-nos de Deus.

    “Avante, filhos de fé, como a nossa lei não há”. Trabalhemos pela Umbanda para que a Umbanda trabalhe por nós.

    Repórter A Noite

  • Os falsos profetas

    Os falsos profetas

    Não são poucos agrupamentos, agremiações e até ajuntamentos posso dizer que conheço. Muitos nada mais são do que reuniões de aventureiros no aconchego do lar, reunidos em quatro ou cinco pessoas realizando sessões mediúnicas. Santo Deus, onde viemos parar? Voltamos ao tempo das “mesas girantes”, que eram o passatempo preferido em Paris no século XIX?

    O espiritismo, seja ele “de mesa”, ou espiritismo de Umbanda – utilizo estes termos para diferenciá-los, apenas por falta de termos adequados – carece de recolhimento, estudos e gravidade. O intercâmbio com o mundo espiritual não é, de forma alguma, objeto de aventura, passatempo e divertimento. Começo falando daqueles “doutrinadores de espíritos”. Poderíamos questionar: qual dos dois planos é mais necessitado de luz? O plano dos desencarnados ou dos encarnados? Respondo que ambos. É justo prestar auxílio aos irmãos sofredores das esferas próximas da Terra. Entretanto, é preciso convir que os encarnados carecem de maior iluminação, pois, como irão prestar auxílio a outros irmãos ignorantes? A lição de Jesus nos diz que é um absurdo um cego conduzir outros cegos. A grande maravilha do amor é o seu contágio. Por esse motivo, o espírito encarnado, para regenerar os seus irmãos da sombra, necessita iluminar-se primeiro.

    Após estes, estão aqueles que tudo sabem, conhecem tudo, tem uma mediunidade profundamente aguçada, que conhecem até os pensamentos mais íntimos do seu próximo. São os “profetas” da atualidade. Seu poder é tão incomensurável que estão acima, inclusive dos próprios Orixás (contém ironia). Por certo estou ironizando estes; não é para menos. Não merecem mais que o nosso desprezo e o total abandono aos velhacos do astral inferior, os quais servem com oferendas e mais oferendas, desconhecedores dos seus mecanismos e dos vícios despertados nos desencarnados por estas práticas realizadas sem o devido conhecimento.

    Há ainda os oraculistas, que de posse do seu oráculo, ou melhor, seria dizer, de seu wi-fi do além, conseguem informações que fariam até a KGB ter inveja, tal o volume de conhecimento que conseguem extrair dos jogos, e vaticinar com exatidão (segundo estes) que não cabe uma margem de erro de meio ponto percentual. Para que vamos arriscar nossas vidas, utilizando do livre-arbítrio se temos estes oraculistas? Basta pagar uma consulta, realizar o trabalho que com certeza será recomendado, e pronto! Acabaram-se seus problemas. Por certo, mais uma vez, apenas ironizo a questão que, se não fosse trágica, seria cômica.

    Posso ir adiante falando dos que possuem pactos com o “tinhoso”, e olha, não são poucos que me contam essa história. Estão com sua vida desgraçada, vivendo de favores, não tem dinheiro nem para um prato de comida às vezes, sem emprego, enfim, sem rumo algum na sua vida, nem material e muito menos moral. Gabam-se de possuir um pacto, e procuram uma casa “forte” que possa deixá-los trabalhar com suas forças, porque não são todos centros que aguentam seu poder. Sabem, dizem que é melhor ouvir do que ser surdo, entretanto, às vezes poderia representar alguma vantagem. Apenas gostaria que alguém me explicasse: segundo os satanistas, tais pactos representam poder, sucesso nas coisas do mundo, vitórias generalizadas, enfim… e como estas criaturas andam moribundas? Tem tanto poder e não conseguem endireitar a própria vida?

    Não vou prosseguir nesta postagem, pois preciso de mais algumas páginas para descrever todos os falsos profetas que já conheci, contudo, prometo voltar para fazê-lo, não por qualquer sentimento menos nobre, mas por puro senso de dever.