Tag: Maria Molambo

  • Maria Molambo traz mais uma história

    Maria Molambo traz mais uma história

    Estava tomando fôlego e em busca de inspiração para começar estes escritos. Escrever sobre os Guias, Mentores e Protetores de Umbanda sempre é um desafio, mesmo se convivendo com estes espíritos já a um bom tempo. O fato é que estas informações chegaram até nós. Como? Bem, isso é o que menos importa…

    – Salve moleque, vamos escrever?

    — Salve Senhora. Que bom servir, ser útil de alguma forma, meditava sobre isso para começar estes escritos! Claro, quando quiser.

    — Que bom ouvir isso. Esta é a maior realidade que podes refletir. Ser útil é saber sua missão na Terra. Muitos já me perguntaram: Como saber minha missão? Simples. Apenas pergunte a si: O que eu, e somente eu posso fazer e que fará a diferença no meio onde estou? Esta é, sem dúvida, a melhor forma de saber sua missão. Mas, vamos ao trabalho.

    Vou adverti-los que os fatos a seguir não serão completos, porque nem eu mesma os conheço – ou não tenho lembrança – por completo. Regressarei algumas reencarnações para entenderem todo o contexto. Saibam que o regresso a reencarnações passadas não é de acesso a todos os espíritos, limitados ao conhecimento de uma ou duas existências passadas, sendo outras bloqueadas e só sendo descortinadas com o tempo e conforme as necessidades. No meu caso, volto a encarnação que foi chave para toda minha decadência como espírito imortal, e a partir dela, todo um desencadeamento de encarnações posteriores que me foram impostas para saudar dívidas contraídas. Porém, o fato é que a cada nova encarnação, reincidia em erros já cometidos e o resultado eram mais dívidas.

    Pois bem, após este velho espírito tomar fôlego, vamos passear no Império Novo do antigo Egito. Parece estranho este jogo de velho e novo, mas para mim parece que foi ontem. Quando conseguirem adquirir esta noção, de que não sabeis quando iniciou e nem sabes quando terminará, será de grande utilidade para sanar vossas ânsias e medos, a verdadeira noção de eternidade.

    O ano era aproximadamente 1190 antes da era cristã. Permitam omitir nomes e datas exatas, não fará diferença. Eu era então uma grande sacerdotisa do deus Amon. Não era a rainha, esposa do faraó, não confundam. Esta, sim, possuía o título de mão divina, de esposa, adoradora do deus. Eu atuava como seu braço direito, ou, na linguagem atual, era sua suplente. Permitam acrescentar, que o propagado hoje com relação às religiões do antigo Egito não são tão fidedignas, mas posso afirmar que já nesta época, elas davam amostras de decadência. O verniz de alguma moralidade desmoronava com a mais fraca provocação, e a religião já não expressava todo o poder que ostentara em épocas mais remotas.

    Existiam ainda entre os letrados da época crenças particulares, que expressavam concepções elevadas e espirituais da Divindade, quase um mais puro monoteísmo. Concepção de poucos é verdade, mas suas ideias religiosas despertavam a ira tanto das massas quanto dos sacerdotes, apegados a concepção dos deuses. Enfim, se este existia, eles eram o ponto alto que o egípcio individual conseguia alcançar em suas concepções espirituais.

    Contudo, não era o meu caso, nem da nossa casta de sacerdotes e sacerdotisas. Ali a continuidade dos ensinamentos religiosos era mais aparente que real, externa, não interna. Imaginem quando estes ensinos chegaram a Roma. Lá, embora os primeiros imperadores construíssem templos nas linhas antigas e permitissem ser retratados nas roupas de faraó, fazendo oferendas a deuses que nem o nome poderiam pronunciar, eram os suspiros finais disso tudo, e o prenúncio do Salvador. Desculpem, me alonguei nisso, não tem importância, não é?

    – Tem, sim, nobre Senhora. Desculpe, mas me atrevo chamá-la assim. Quanto conhecimento hein? Quantas lembranças…

    — Não te acanhes. Senhora é respeitoso, e devemos respeito mútuo reciprocamente, vivos e mortos não? Vamos adiante!

    Por ser sacerdotisa de um culto que era extremamente sexual, acostumei-me a questão. Eu era alguém que realizava desejos e “desejos”, pois, coitado daquele que não cedesse aos meus. Fui concubina de muitos figurões da época. Ajudava-os com seus desafetos, fiz um punhado de gente fazer a viagem para o mundo dos mortos antes da hora, aliás, eu decidia a hora. Tinha o conhecimento do preparo de poções que envenenavam com muita facilidade, e bastava que um dos meus amantes solicitasse que era prontamente atendido. Por que fazia isso? Bem, não preciso dizer que esta situação não era lícita para mim como sacerdotisa. Arriscava-me em manter encontros com meus amantes, e acima de tudo, poderia ser severamente castigada por utilizar de meus conhecimentos para solução dos seus casos. Mas tudo isso, além da satisfação que sentia em ser importante e desejada, pois minha beleza sempre foi um atributo a meu favor, gozava de certas regalias. A sensação de poder que desfrutava fazia meu ego subir aos céus, e este, sem dúvida, é um caminho perigoso e sedutor. Presencio muitos de vós caindo nesta armadilha. Mas, o fato é que tramei a morte de muitos, inclusive de figuras importantes em Karnak. Tudo isso condenou-me ainda em vida e no pós-morte.

    Ainda encarnada, quando a beleza já não reinava em meu corpo como outrora, o desejo não satisfeito e a perca de posição, fizeram com que me sentisse a pior das mulheres. Os malditos piolhos que eram como ervas daninhas em nosso reino tomaram conta de mim. A depressão que passei a sentir, sem conseguir consertar as coisas com minha magia, fizeram com que uma ideia fixa se apossasse de mim. Acreditava que meu título de sacerdotisa me garantiria no outro mundo, e o suicídio parecia uma saída digna. Quanto engano… Eu havia feito tudo certo: Todos os ritos para garantia de minha entrada no mundo dos mortos foram devidamente feitos por mim antes de tirar minha vida, porém, ao finalizar o ato com um punhal, o desfecho foi outro. . .

    Continua…

  • Dona Conceição, Ana Maria e Pomba-gira Maria Padilha

    Dona Conceição, Ana Maria e Pomba-gira Maria Padilha

    Conheci Conceição em meados do século XIX. Mulher séria, bela, fina e recatada. Em existência anterior, era de nacionalidade russa. Muito nova, foi iniciada na prostituição, algo comum na Rússia do século XVIII. As moças de famílias pobres, contando com pouco mais de 12 ou 13 anos, eram forçadas a trabalhar em casas do tipo para obter alguma provisão. Viviam uma vida parecida com mariposas, pois durante o dia passavam ou trancadas em quartos escuros nos prostíbulos – para não serem descobertas pela perseguição estatal – ou aventuravam-se nas ruas, disfarçadas, para tentarem chegar às suas casas e visitar familiares.

    Deixou o corpo físico nesta miserável existência aos 21 anos, acometida de sífilis. Confidenciou-me que, na ocasião, seu corpo foi desovado em sacos e destinado ao lixo comum, para não levantar suspeitas. Aliás, este era o destino da maioria das moças que se aventuravam a esta vida na “Mãe Rússia”.

    Reencarnou no Brasil do século XIX, uma carioca como eu; todavia, não com a mesma sorte. Conceição, mais uma vez, foi submetida à vida mundana à qual teve na pátria anterior.

    Nascida em berço de ouro, filha de coronel brasileiro, aventurou-se a amar quem lhe era proibido. Os casamentos arranjados da época eram quase sentenças às mulheres. Era preciso unir fortunas e expandir o poder familiar; este era o pensamento de então. Conceição foi desmascarada; seu amor proibido foi descoberto. Seu amante deixou a existência pela mão do carrasco empregado do coronel. Conceição foi expulsa de casa e deserdada da família, lavando assim a honra da mesma.

    Conceição desencarnou doente, mais uma vez, por febre e desnutrição. Brasileira de alma e coração, decidida a mudar a vida das mulheres, organizou no astral sua falange, para mudar este estado de coisas. “A família é importante, assim como o casamento” – nos diz Conceição. “Contudo, deve nascer do amor, da afinidade, do bem-querer, da renúncia de ambos, tanto do marido quanto da mulher. Casamento não nasce para dar certo ou errado. É uma construção, e como tal, deve trabalhar todos os dias para seu êxito”.

    Conceição ou Pomba-gira Maria Padilha é hoje a chefe de falange mais importante no plano astral, dentro da instituição Exu. Jamais conheci mulher de tanta coragem e fibra, comparada somente àquela que todos bem conhecem, principalmente os gaúchos de nossa pátria, chamada de Anita Garibaldi (Ana Maria de Jesus Ribeiro), a heroína de dois mundos. Espero um dia conhecê-la; ainda não tive este privilégio. Conta-se aqui que guerreava prenha, deu à luz sozinha, escondida no matagal à espera do marido, Guiuseppe, que levou dias para encontrá-la em meio à guerra. Ah, se as mulheres de hoje tivessem só um pouquinho das “Conceições” ou das “Anitas”. . . Que mundo melhor teríamos. . .

    Mui respeitosamente.

    Ana Rita.

  • A história de Maria Molambo da encruza

    A história de Maria Molambo da encruza

    Para quem me conhece há mais tempo, sabe que sou um fumante inveterado. O hábito de fumar, tão demonizado pelo nosso tempo, para mim, que não pertenço ao inconsciente do politicamente correto, é algo que me acalma, e faz o cérebro funcionar um pouco melhor. Pois bem, estava fumando meu cigarro, o relógio marcando quase meia-noite, a hora grande da Umbanda. Os estudos são mais produtivos a noite, e tudo fica mais claro, muito mais claro. Pensava na Pomba Gira, que tanto me desperta encantos. Sim, moça séria, que tem algo que incomoda. Pensava nela, e queria saber: Quem foi esta mulher em vida? Fez algo de importante? Foi acaso uma nobre, ou uma plebeia. Minha cabeça fervia…

     — Sabia seu moço que você é por demais atrevido?

    Congelei dos pés à cabeça. Uma voz doce, suave, mas sarcástica soou ao pé do ouvido.

     — Quem és? Tive a pachorra de perguntar. Mas não sei como, já sabia se tratar dela.

    — És burro ou idiota? Não me chamou querendo saber de mim? Então, te atenta que não tenho tempo a perder. Sou uma mulher ocupada. Detesto coisas fúteis e infantilidades. Já perdi muito tempo de minha existência com elas, e simplesmente não me submeto mais a isso. Só vim porque creio que pode ser útil estas notas. Vai menino, anota aí, e cuida que não repetirei nada.

    — Estou honrado e pronto a lhe ouvir. Falei isto e me calei, entendi que ali eu não estava em uma situação privilegiada, mas sim, por um acréscimo da misericórdia divina, servia de escrivão a alguém muito importante. As linhas que seguem foram difíceis de serem escritas. Minhas mãos quase não respondiam a meus comandos, devido às emoções que se misturavam em minha mente ao ouvir a voz de um espírito feminino que, por um instante, deixava de ser Maria Molambo e era apenas Ana Rita, o nome deste espírito em sua última encarnação.

    — Nasci e me criei na cidade do Rio de Janeiro. Batizada com o nome de Ana Rita, fui uma carioca do século XIX. De descendência portuguesa, e com a vinda da família real para o Brasil, que realizou importantes mudanças no País, consegui estudar, coisa que não era para muitas mulheres ainda. Adquiri cultura e erudição tanto quanto me foi possível. Não preciso me estender sobre detalhes aqui, pois não será difícil para aqueles que conhecem um pouco da história deste país concluir que pertencia à elite carioca. Minha família era quase toda, ou ligada ao exército, a política e a agricultura. Sabe, não direi que tive uma infância e adolescência ruim não, ao contrário, eram anos de alegria.

    No meu baile de 15 anos, fui prometida àquele que seria meu companheiro durante toda a vida. Omitirei seu nome, consta nos livros da história política deste país. Tive a honra de ter um baile de 15 anos, coisa para poucas moças da época, além de ser algo relativamente novo em nossa sociedade, trazido por franceses que fugiram dos horrores da revolução francesa e eram ligados à nossa família. Pois bem, vi aquele homem pela primeira vez naquela noite, e ele não tardou em conversar com meu pai e arranjar o casório que logo aconteceu. Nesta época, mulheres eram corajosas e talhadas para assumir um lar, tão logo conseguissem entender algo da vida. O matrimônio, filhos e todas as responsabilidades de uma mulher não eram nadas assustadoras.

    Meu esposo, que era deputado do então município neutro, do Rio de Janeiro, era um dos chefes do partido liberal da época. Era um liberal sincero, moderado em seus sentimentos políticos, tolerante para com seus adversários, e principalmente monarquista franco e dedicado às instituições públicas deste país.

    Ao seu lado, por sua influência e incentivo, escrevi diversas vezes para jornais da época; claro, sempre usando codinomes para não despertar embates piores dos que sofríamos. Apesar de toda liberdade trazida com a instalação da corte no país, onde tínhamos uma liberdade sem igual, principalmente na imprensa e nas ideias, queríamos estender esta liberdade para todas as áreas da vida humana. Lutávamos por liberdade econômica, o fim da escravatura, a qual já tínhamos conseguido muitos avanços e leis que davam alguma proteção aos escravos, assim como educação pública para toda população. Tínhamos amplo acesso a Coroa, eu e meu esposo, e assim participamos de importantes mudanças na vida cultural brasileira. O fim da censura prévia e o clima de ampla liberdade de imprensa favoreceram a produção cultural. Os jornais foram os grandes divulgadores dos romances sob a forma de folhetins. Saber ler e escrever, ainda que restrito ao ambiente da Corte e às grandes cidades, foram abrindo caminhos para as transformações. Abriram-se dezenas de escolas para meninos em sua maioria, mas também meninas começavam a ter algum acesso. Sabe, sinto uma tristeza profunda em ver sua geração não guardar, nem valorizar o que fizemos. Quem não honra seus antepassados perde a memória, e entram para o rol dos ingratos. Sabemos quem são os canalhas responsáveis por isso. Alguns já estão aqui, outros logo virão, e não perdem por esperar.

    Então moço, lembro com carinho estes tempos, mas fato é que me casei, tive dois filhos, uma menina e um menino, um marido exemplar, que hoje continua ao meu lado como valoroso companheiro, onde ele também engrossa as fileiras da organização, e somos bons amigos. Não guardamos mais nosso vínculo de matrimônio por opção nossa. Meus filhos seguiram outros caminhos, e nos visitamos periodicamente.

    Já responderei o que você quer saber, vamos lá. (Neste ponto da narrativa a danada leu meus pensamentos, pois queria saber como alguém que, parecendo não ser uma grande devedora da lei, se tornou uma Pomba-gira).

    Em nossa casa havia uma governanta, que foi presente de meu pai quando nos casamos. Sim, uma escrava, mas que em nossa casa nunca foi tratada como tal, mas como alguém da família. Seu nome era apenas Maria, carinhosamente chamada por nós de Dona Maria. Logo após meu casamento, comecei a ter algumas “alucinações”, era assim que eu entendia. Ouvia vozes e via o que mais ninguém via, comecei a ficar louca, pois não entendia aquilo e pensava: só pode ser castigo de Deus, pois estou lutando contra o clero — os integrantes do partido conservador, o qual fazíamos oposição, eu veladamente na imprensa e meu esposo na Câmara, eram em sua maioria do Clero — e eu então, acreditava ser um castigo divino. Dona Maria, um belo dia que não sairá jamais de minha memória, chamou-me e disse: — “Sinhá, descurpa o que vo lhe dize, mas tu tá com incosto. Teus Orixá me conto. Pode me surra e castiga por tá falando ansim, mais não guento mais ve sunce ansim”.

    Narro com as palavras dela, porque são inesquecíveis, mudaram minha vida. A partir daquele dia, com a ajuda desta que foi uma segunda mãe para mim, foi me revelado um plano das trevas arquitetado por encarnados, nossos inimigos nas lides para nossa destruição. Comecei a entender o mundo espiritual, dos Orixás, e fui agraciada por ter ela como minha Yalorixá, a qual colocou a mão na minha cabeça e me iniciou à Iansã. Me ajudou e guiou os primeiros passos na vida mediúnica, pois fui laureada com a mediunidade ostensiva na minha última reencarnação. Ainda assim, também por influência do meu esposo, fizemos parte do primeiro grupo espírita nascente do Rio de Janeiro, onde me aprimorei em estudos na doutrina dos espíritos.

    Meu marido desencarnou antes de mim, e segui o resto dos meus dias fazendo por nós dois, lutando contra um estado de coisas que crescia em nosso país, fazendo todo bem que me era possível, cuidando de nossa família, estudando a doutrina dos espíritos, trabalhando em mesas de desobsessão e estudos espíritas. Não me casei novamente após a partida de meu esposo, não que me faltassem pretendentes, mas sentia a influência e o carinho daquele que me foi companheiro e nossos ideais seguiam vivos dentro de mim, o que era suficiente. Sorte minha ter pensado assim quando na carne. Resisti a minhas inclinações que me eram reminiscências de outras existências, e que por vezes levam milênios para serem quitadas. Apesar disso, eu era, sim, muito exibida, me vestia com extremo bom gosto e era muito bela. Fazia questão de expor este atributo de Deus, que havia me presenteado na encarnação.

    Então, seu moço, nenhuma história cabe em uma página de jornal, e sei que tu vais colocar lá isso. Pincelei aqui e ali, para entenderem: Para ser Exu ou Pomba Gira de Umbanda não é necessário ter sido prostituta, ou assassino quando encarnado. Muito pelo contrário, pois aqueles que foram por demais caídos e cometeram crimes hediondos ou com grandes danos a humanidade, podem até serem aceitos, mas não sem muitos anos de treinamento e estudo, o contrário daqueles pouco devedores da lei. Também aqueles que pensam me invocar para “amarrar homem”, destruir uma família, seduzir amantes e tudo mais o que a mente doente deste século pode criar entre os encarnados, estão redondamente enganados. Se eles são idiotas, e o são, eu não sou, e posso falar por meus pares da organização. Aqui não tem pessoas como vocês que tem um sentimento agudo dos próprios direitos e o completo amortecimento do senso de dever.

    Procurei me integrar a organização tão logo foi criada, por meio de outros amigos que tenho até hoje neste lado da vida. O golpe fatal que me fez vir para o lado da organização foi em 1889, quando, já desencarnada, presenciei o triunfo do mal em nosso país. Sei que alguns não entenderão minha colocação, mas cada um que pense por si. Então o sentimento de continuar sendo útil à minha pátria que tanto amei e a este povo, meu amor sincero pelos Orixás, analisadas minhas obras na terra, em virtude do seu valor, obras de luz, de ascensão, de preservação, de progresso e para o bem público, as quais havia consagrado minha vida na terra me deram credenciais para fazer parte da organização. E por que Molambo? Lembra de quando falei que adorava me exibir frente a todos? Prefiro não dar sorte ao azar não. Melhor evitar que “coisas” de encarnações bem passadas retornem e me façam escrava novamente. Então, Molambo lembra alguém que é molambento né? Melhor ser vista assim, e para lembrar que molambo vem de lixo, e meu prazer é arrastar o “lixo” humano para o lado de cá e cuidar dele com muito afinco. Ah, ah, ah, ah, ahaaaaa. Despeço-me, com escusas pela escrita, que infelizmente o “aparelho” do qual me sirvo é extremamente limitado e não me deixa “fruir” a contento, ah, ah, ah, ahaaaa. Quem sabe um dia conto tudo? Quem sabe. Além disso, adoro este provérbio árabe: “Não repares em quem sou, mas recebe o que te dou”.

    Respeitosamente, com lembranças mui particulares, Ana Rita, hoje Maria Molambo da Encruza.

    Após estas linhas ainda pacóvio; as gargalhadas que ouvi quando não conseguia codificar as ideias recebidas, o sentimento de estar em meu lugar, ou seja, a sensação de não ser nada e, ao mesmo tempo, o tudo para mim mesmo; enfim, me recolho também ao descanso, não sem antes meditar sobre cada palavra deste espírito.

  • A Pomba-gira e as mulheres

    A Pomba-gira e as mulheres

    Duas vozes discutiam na minha cabeça, apesar de não ver os interlocutores: – Vai menino, anota aí! — Mas quem está ditando sou eu!!! – Sim, mas quem está passando para ele sou eu!!

    — Epa, epa, espera aí. Se decidam gente; gritei em voz alta na minha mente – se é que isso é possível.

    – Viu como são as mulheres, menino? Sempre querem mandar em nós. Não aceita!

    – Você, seu latagão. Deixa que me entendo com o moleque! Faz tua parte e não te imiscui.

    – Vamos lá moleque, anota aí. Passa para o papel e publica. Vou te chamar de moleque tá. Este “ser” que é o periodista oficial, e que está preso no século XVIII te chama de menino, não é. Então, chamar-te-ei de moleque, tá bom?

    — Claro Senhora, como quiser. Explico: No início desta matéria, o periodista oficial do além que nos dita os textos, trouxe uma Senhora que também faz parte da organização dos Exus, e que também passará a nos brindar com seus comentários. A Sr.ª. Maria Molambo da Encruza. Porém, a moça que é um tanto tempestuosa…

    — Hoje estive passeando pelas ruas de vossa cidade. Cruzei com diversas pessoas que, apesar de perdidas, guardavam um brilho a mais no olhar. Estas, como se por um milagre, também suas vestes tanto espirituais, como as roupas em si tinham um pouco mais de decoro. Não gosto de mulheres vulgares, elas não sabem o que é ser mulher. Estas senhoras, as decorosas, as segui, estudei-as, e vi que antes de tudo seu coração estava onde deveria estar: Em Deus, nos filhinhos, no esposo, no lar e suas obrigações. Andavam pelos comércios, alguns risos com amigos, mas suas preocupações estavam em servir. Já repararam que as mulheres, apesar de não agirem com consciência hoje, mas por instinto sempre estão servindo?

    Mas também reparei em algumas indecorosas: suas mentes, assim como suas vestes espirituais e roupas tem algo sem pudor, são opacas como seus pensamentos, e apenas querem saciar seus instintos mais baixos tanto quanto possível. Se deixaram levar pelo espírito do mal destes tempos. Seu palavreado é chulo, cabelos esquisitos, roupas esquisitas. Unhas comparáveis àquelas da senhora La Voisin (famosa bruxa do século XVII), aliás comparáveis em tudo. Buscam a todo preço modificar o corpo, agem por ele e para ele.

    Moleque, não te assusta. Não tenho trava na língua. Se não suporta meu raciocínio, diz logo que vou embora. (A moça não é de brincadeira. Foi apenas a sensação que tive, e a distinta senhora captou. Que espírito é esse que lê pensamentos e capta sentimentos?)

    — Descrevi algo sobre a mulher porque quero dizer quem é Pomba-gira: não escreveram já que somos a sedução, o “poder” feminino? E os idiotas que escreveram isso acham que poder feminino vem do sexo apenas? Do poder de sedução? Ah, santa paciência me é necessária! Inclusive, alguns pensadores que vocês dão honras e glórias, que são quase contemporâneos meus de quando encarnada, não legaram que os escolásticos nos viam como inferiores? Quantas coisas distorceram, quanta mentira. Não é à toa que um deles, e fiquei sabendo nas bandas de cá (a escritora se refere ao astral) que Michel Foucault disse ter mentido mais que o diabo. Quanto trabalho teremos, quanto trabalho…

    Prestem atenção: Pomba-gira é apenas uma corruptela que inventamos, só isso, porque não podemos mais utilizar nosso nome de encarnadas quando passamos a atuar na Umbanda. É da lei de Umbanda isso e lei se cumpre, não se discute nem se interpreta a bel-prazer. Está escrito e sancionado. Já confessei que me chamei quando encarnada Ana Rita, apenas porque me foi permitido e tem um propósito maior, que entenderão logo, não hoje. Pomba-gira representa o poder da intercessora, da mulher em sua plenitude de mãe e provedora da família. Sabem o que é isso? Não sabem né, seu tempo não quer mais esta instituição, então a mulher deve ser destituída de seu cargo legado por Deus. Querem uma nova mulher, aquela que é apenas o objeto de satisfação, que tenta imitar o homem, pois quer prover o alimento, o que não é sua atribuição; quer independência, o que não é o projeto do Criador, pois um complementa o outro, homem – mulher.

    Estamos para Exu, assim como Exu está para nós. Somos a representação da instituição que vocês querem dispensar. Sabes quantos filhos tenho aqui no astral? Sabes que tenho marido? Sabes que provenho família, além da família de encarnados que guardo na terra? Quem tem Pomba-gira e Exu, que realmente os cultua e tem, possui a plenitude da família.

    Guardo as mulheres que buscam ser mulheres plenas, ajudo aquelas que querem mudar, intervenho nas famílias desestruturadas e vibro aquilo que meu nome de guerra me inspira: MARIA Molambo. Me inspiro em Maria Santíssima, peço a interseção dela em meu favor, para que eu seja instrumento da Mãe da humanidade. Não somos promíscuas. Nós Pomba-giras de Umbanda somos mulheres que querem o bem das mulheres. E entendam, mulher é sinônimo de santidade, de renovação da vida, de continuidade da espécie humana. Mulher é companheira, criada para andar ao lado do homem, nem a frente, nem atrás, a provedora da família. O homem é provedor do alimento, tanto para o corpo como do espírito. O lar de um casal onde encontramos no escritório do esposo, uma mesa extra ou o cesto de trabalho da esposa, onde o amor sabe planar e ficar em silêncio, é uma imagem de trabalho daqueles que comungam da vida no espírito. Ah, na vida dos cristãos há tantas belezas, tanto amor e felicidades a se colher. Sabe, realmente não entendo mais os encarnados, espero ainda ficar um bom tempo do lado de cá.

    Com lembranças particulares, Maria Molambo.

    — Pronto menino, a Senhora já foi. Encerramos aqui esta edição.

    Como intérprete permaneci pasmado. Também fiz parte até hoje daqueles que imaginavam Pomba-gira representar apenas a sedução. Obrigado Molambo.

  • O Espírito obsessor

    O Espírito obsessor

    Aguardava meu parceiro astral para mais um encontro. Já se passavam das 22 horas de uma noite fria. Aliás, hoje é primeiro de agosto, a lua cheia ilumina de maneira a desentenebrecer a noite. Acendo um cigarro, o silêncio impera…

    – Boa noite, demorei a chegar? Ah!ah!ah!ah! Como tem passado?

    — Salve minha comadre – a voz que ouvi era feminina, porém, esperava meu velho parceiro, o jornalista do além “A Noite” – bem, muito bem. Esperava outra pessoa, mas reconheço a voz.

    – Sim, sou eu, Maria Molambo. Trouxe comigo uma conhecida. Na verdade, nos conhecemos a poucos dias, de maneira quase forçada, se é que me entende. Ela vai esclarecer algumas coisas, e eu vou lhe ditar menino. Faça as anotações.

    Logo percebi que Maria Molambo referia-se a algum espírito obsessor, uma marginal do astral, e por algum motivo trazia esta pobre irmã, carente que é, na verdade, para nos brindar com uma mensagem.

    – Não importam nomes, apenas sou alguém que me deixei levar pelo espírito dos tempos modernos. Fui adestrada – este é o melhor termo – para trabalhar do outro lado, perturbando a vida dos que continuam presos a carne. São presas fáceis, e temos todo o mundo, ou melhor, todo aparato do mundo da matéria do nosso lado. Àqueles que pensam que a magia negra ainda é o problema deste século, estão muito enganados. Vou lhes contar meu modus operandi:

    Não precisamos mais direcionar leituras ou algo do tipo para afastar alguém de Deus. Isso até fazia sentido há alguns séculos, quando as pessoas ainda tinham algum senso de lógica. Ora, naquela época, as pessoas sabiam muito bem quando algo tinha sido provado logicamente e quando não; e quando tinha sido provado, elas criam de verdade. Elas ainda faziam associação entre pensamento e ação, e estavam dispostas a mudar seu estilo de vida em decorrência de ideias racionalmente encadeadas. Vocês são imunes a argumentação, então facilita-nos o trabalho. A imprensa diária e outras armas do tipo, todas, salvo exceções, já dominadas por nós, a serviço das trevas, nos trazem completo domínio da situação.

    A grande massa do seu tempo está presa no fluxo das percepções imediatas, e as questões universais estão longe. Não precisamos perder tempo argumentando em vossos pensamentos, já são nossos os vossos. Já não conseguem mais distinguir em “verdadeiro” ou “falso”; vocês apenas entendem o jargão. Esses processos, dos quais são vítimas, os iniciamos há séculos, quando os fizemos caminhar sem Deus, e fizemos de tudo para que o humanismo dominasse as mentes certas. A era da razão, o homem como centro de tudo, e agora o novo deus. As leis criadas por Deus já não eram mais necessárias, não é? Conseguimos. O vosso “show business”, os intelectuais, formadores de opinião, professores de todas as cátedras, artistas, e mais uma infinidade de idiotas do vosso tempo estão a nosso serviço.

    Agora, na fase que estamos, a revolução sexual alcançará o ápice. O alvo é a extinção da família e de todo o respeito, além é claro de deixar os perdidos mais perdidos, pois não terão nem para onde voltar após os desastres finais. Todos serão idiotas úteis, e que depois serão descartados até por nós. E veja bem, nosso trabalho é tão perfeito, que temos todo aparato dos Estados conosco, a opinião pública; científica (esta inclusive está sendo um braço armado, e bem armado); assim como das religiões, inclusive a vossa. Quantos sacerdotes você acha que se salvarão? Pois é, acho que se a arca de Noé fosse reconstruída, faltariam tripulantes humanos.

    — Já chega, – sentenciou Maria Molambo – você percebeu menino a tranquilidade que isso é narrado e descrito por essa gente?

    – Estou perplexo, minha Senhora. É quase inacreditável, no entanto, sinto a familiaridade com nossos tempos.

    – Vamos encerrar por aqui. Arrisquei-me em trazer ela até nossa redação. Foi dominada recentemente, juntamente com outras companheiras de jornada obscura, e continuam sendo procuradas por outros de suas falanges. Vou levá-la de volta para sua cela, onde vou oferecer-lhe um tratamento estupendo, onde em breve ela será uma madre, ah!ah!ah!ah!

    – Obrigado Senhora por arriscar-se para tão nobre tarefa. Rogo a Deus para que este esforço não seja em vão.

    Que o Senhor nos abençoe.