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  • Maria Molambo traz mais uma história

    Maria Molambo traz mais uma história

    Estava tomando fôlego e em busca de inspiração para começar estes escritos. Escrever sobre os Guias, Mentores e Protetores de Umbanda sempre é um desafio, mesmo se convivendo com estes espíritos já a um bom tempo. O fato é que estas informações chegaram até nós. Como? Bem, isso é o que menos importa…

    – Salve moleque, vamos escrever?

    — Salve Senhora. Que bom servir, ser útil de alguma forma, meditava sobre isso para começar estes escritos! Claro, quando quiser.

    — Que bom ouvir isso. Esta é a maior realidade que podes refletir. Ser útil é saber sua missão na Terra. Muitos já me perguntaram: Como saber minha missão? Simples. Apenas pergunte a si: O que eu, e somente eu posso fazer e que fará a diferença no meio onde estou? Esta é, sem dúvida, a melhor forma de saber sua missão. Mas, vamos ao trabalho.

    Vou adverti-los que os fatos a seguir não serão completos, porque nem eu mesma os conheço – ou não tenho lembrança – por completo. Regressarei algumas reencarnações para entenderem todo o contexto. Saibam que o regresso a reencarnações passadas não é de acesso a todos os espíritos, limitados ao conhecimento de uma ou duas existências passadas, sendo outras bloqueadas e só sendo descortinadas com o tempo e conforme as necessidades. No meu caso, volto a encarnação que foi chave para toda minha decadência como espírito imortal, e a partir dela, todo um desencadeamento de encarnações posteriores que me foram impostas para saudar dívidas contraídas. Porém, o fato é que a cada nova encarnação, reincidia em erros já cometidos e o resultado eram mais dívidas.

    Pois bem, após este velho espírito tomar fôlego, vamos passear no Império Novo do antigo Egito. Parece estranho este jogo de velho e novo, mas para mim parece que foi ontem. Quando conseguirem adquirir esta noção, de que não sabeis quando iniciou e nem sabes quando terminará, será de grande utilidade para sanar vossas ânsias e medos, a verdadeira noção de eternidade.

    O ano era aproximadamente 1190 antes da era cristã. Permitam omitir nomes e datas exatas, não fará diferença. Eu era então uma grande sacerdotisa do deus Amon. Não era a rainha, esposa do faraó, não confundam. Esta, sim, possuía o título de mão divina, de esposa, adoradora do deus. Eu atuava como seu braço direito, ou, na linguagem atual, era sua suplente. Permitam acrescentar, que o propagado hoje com relação às religiões do antigo Egito não são tão fidedignas, mas posso afirmar que já nesta época, elas davam amostras de decadência. O verniz de alguma moralidade desmoronava com a mais fraca provocação, e a religião já não expressava todo o poder que ostentara em épocas mais remotas.

    Existiam ainda entre os letrados da época crenças particulares, que expressavam concepções elevadas e espirituais da Divindade, quase um mais puro monoteísmo. Concepção de poucos é verdade, mas suas ideias religiosas despertavam a ira tanto das massas quanto dos sacerdotes, apegados a concepção dos deuses. Enfim, se este existia, eles eram o ponto alto que o egípcio individual conseguia alcançar em suas concepções espirituais.

    Contudo, não era o meu caso, nem da nossa casta de sacerdotes e sacerdotisas. Ali a continuidade dos ensinamentos religiosos era mais aparente que real, externa, não interna. Imaginem quando estes ensinos chegaram a Roma. Lá, embora os primeiros imperadores construíssem templos nas linhas antigas e permitissem ser retratados nas roupas de faraó, fazendo oferendas a deuses que nem o nome poderiam pronunciar, eram os suspiros finais disso tudo, e o prenúncio do Salvador. Desculpem, me alonguei nisso, não tem importância, não é?

    – Tem, sim, nobre Senhora. Desculpe, mas me atrevo chamá-la assim. Quanto conhecimento hein? Quantas lembranças…

    — Não te acanhes. Senhora é respeitoso, e devemos respeito mútuo reciprocamente, vivos e mortos não? Vamos adiante!

    Por ser sacerdotisa de um culto que era extremamente sexual, acostumei-me a questão. Eu era alguém que realizava desejos e “desejos”, pois, coitado daquele que não cedesse aos meus. Fui concubina de muitos figurões da época. Ajudava-os com seus desafetos, fiz um punhado de gente fazer a viagem para o mundo dos mortos antes da hora, aliás, eu decidia a hora. Tinha o conhecimento do preparo de poções que envenenavam com muita facilidade, e bastava que um dos meus amantes solicitasse que era prontamente atendido. Por que fazia isso? Bem, não preciso dizer que esta situação não era lícita para mim como sacerdotisa. Arriscava-me em manter encontros com meus amantes, e acima de tudo, poderia ser severamente castigada por utilizar de meus conhecimentos para solução dos seus casos. Mas tudo isso, além da satisfação que sentia em ser importante e desejada, pois minha beleza sempre foi um atributo a meu favor, gozava de certas regalias. A sensação de poder que desfrutava fazia meu ego subir aos céus, e este, sem dúvida, é um caminho perigoso e sedutor. Presencio muitos de vós caindo nesta armadilha. Mas, o fato é que tramei a morte de muitos, inclusive de figuras importantes em Karnak. Tudo isso condenou-me ainda em vida e no pós-morte.

    Ainda encarnada, quando a beleza já não reinava em meu corpo como outrora, o desejo não satisfeito e a perca de posição, fizeram com que me sentisse a pior das mulheres. Os malditos piolhos que eram como ervas daninhas em nosso reino tomaram conta de mim. A depressão que passei a sentir, sem conseguir consertar as coisas com minha magia, fizeram com que uma ideia fixa se apossasse de mim. Acreditava que meu título de sacerdotisa me garantiria no outro mundo, e o suicídio parecia uma saída digna. Quanto engano… Eu havia feito tudo certo: Todos os ritos para garantia de minha entrada no mundo dos mortos foram devidamente feitos por mim antes de tirar minha vida, porém, ao finalizar o ato com um punhal, o desfecho foi outro. . .

    Continua…

  • Exu

    Exu


    As fitas gravadas por Lilian Ribeiro em entrevistas e discursos do próprio Caboclo das 7 Encruzilhadas são um verdadeiro tesouro da Umbanda, patrimônio a ser preservado para estudos e como forma de adentrar naquela realidade dos primórdios da Umbanda. Como já mencionamos, utilizamos aqui algumas transcrições, e sobre Exu sentenciou Zélio de Moraes em entrevista concedida a Lilian Ribeiro em 22 de outubro de 1970:

    Lilian Ribeiro: Sr. Zélio, é sobre o trabalho dos Exus. Existem Tendas que dão consultas com Exus em dias especiais além das consultas normais de Pretos-Velhos e Caboclos. Como o Sr. vê isso?

    Zélio: Eu sei disto, que há muitas Tendas que trabalham com Exus, eu não gosto porque é muito fácil se manifestar com Exu, qualquer pessoa médium, um mau médium se manifesta com Exu, basta ter um Espírito atrasado; ou também fingindo um Espírito, por isso não gosto e fujo disto, na minha Tenda não se trabalha com Exu por qualquer motivo.

    Lilian Ribeiro: Mas o Sr. não considera o Exu um Espírito trabalhador como todos os outros Orixás?

    Zélio: Depois de despertado, porque o Exu é um Espírito admitido nas trevas; depois de despertado, que ele dá um passo no caminho da regeneração é fácil ele trabalhar em benefício dos outros. Assim eu acredito no trabalho do Exu.

    Lilian Ribeiro: Não haverá casos em que outros Orixás vibrando em outras Linhas não possam resolver de imediato alguns problemas de filhos e, não seria o Exu aí o mais indicado para resolver, por estar mais perto materialmente, por estar mais aceito nos trabalhos materiais?

    Zélio: O nosso Chefe, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, nos ensinou assim, isto faz 60 anos, que o Exu é um trabalhador. Como na polícia tem soldado, o chefe de polícia não prende, o delegado não prende, quem prende são os soldados, cumprem ordens dos maiorais, então o Exu é um Espírito que se encosta na Falange, que aproveita para fazer o bem, porque cada passo para o bem que eles fazem vai aumentando a sua luz, de maneira, que é despertado e vai trabalhar, quer dizer, vai pegar, vai seduzir este Espírito que está obsedando alguém, então este Exu vai evoluir. É assim que o Caboclo das Sete Encruzilhadas nos ensinava.

    Lilian Ribeiro: De que modo o Exu é um auxiliar e não um empregado do Orixá ou vice-versa?

    Zélio: Eu não digo empregado, mas é um Espírito que tende a melhorar, então para ele melhorar ele vai fazer a caridade com as falanges, correndo em benefício daqueles que estão obsedados, despertando e ajudando a despertar o Espírito para afastá-lo do mal que ele estava fazendo, então ele se torna um auxiliar dos Orixás

    O entendimento que nos passa o pai da Umbanda Zélio de Moraes é de que Exu e Pomba-gira não são Guias espirituais, portanto, seu trabalho na Umbanda é particular, não sendo igual ao de Caboclo e Preto Velho, acrescentando ainda que a invocação dos Exus deve obedecer às regras rígidas, não sendo chamados por qualquer ocasião. Escolheram o trabalho caritativo para buscar sua ascensão, e prestam seus serviços junto as falanges de Umbanda como auxiliares de grande valia.

    Mestre Omolubá, em suas obras maestrais, legou-nos sobre Exu: A figura Exu – oriundo das plagas africanas – deixa de ser, na Umbanda, um componente enigmático, para firmar-se, com lógica e simplicidade, no esquema de uma comunidade astral extremamente operosa e responsável dentro dos limites impostos pelos mentores da religião de Umbanda.

    … Na Umbanda, a palavra Exu titula uma instituição do plano astral, conhecida como a central dos Sete Focos, composta por milhares de criaturas desencarnadas (branca, pretas, mestiças, atuantes em diversas profissões) que prestam serviços entre os planos físico e astral da nossa terra. Estão dispostos em categorias e recebem a colaboração de espíritos denominados “quiumbas”, que se aferram no trabalho pesado, no desejo natural de serem admitidos na poderosa organização Central dos Sete Focos. (Omolubá,2015, p. 149-150)

    Após estas referências de peso, inquestionáveis para nós meros estudantes de Umbanda, é tarefa fácil sentenciar que Exu e Pomba-gira na Umbanda nada tem de demoníaco ou seres desregrados, marginais do plano astral a serviço das trevas. Ora, todos umbandistas sérios reconhecem que Exu é um espírito que, apesar de ainda habitar os planos inferiores no astral está a serviço do bem e da caridade, operando ao lado dos Orixás e Guias de Umbanda. Os espíritos ascensionados que trabalham na religião precisam de auxiliares que tenham acesso aos planos inferiores, e uma certa liberdade para agir nestes locais. Exu e Pomba-gira sendo habitantes destes, portanto, são os tarefeiros indispensáveis na Umbanda.

    O mundo em que habitamos, o plano físico, é uma cópia imperfeita do mundo espiritual, nos ensinam os Guias de Umbanda. As estruturas deste mundo são cópias das existentes no outro. As obras do médium Francisco Cândido Xavier, psicografadas por André Luiz, como “Nosso Lar”, retratam bem este quadro. Estruturas existentes no mundo espiritual já a muito tempo, agora são realidades no nosso; muitas ainda virão. Pois bem, se os mundos são cópias um do outro, entende-se muito melhor o papel de Exu: quando de uma incursão policial para prender malfeitores em áreas dominadas pelo narcotráfico, pedimos ao juiz que o faça ou solicitamos aos policiais treinados para tal empreitada? No astral, quando os Guias solicitam a retirada e consequente prisão de espíritos malfeitores, ordenam aos Exus e Pomba-gira que o façam, pois são espíritos que habitam os planos inferiores e, portanto, conhecem o território e todos os seus perigos. São hábeis em capturar, prender e neutralizar as ações de espíritos decaídos que, quando aferrados em seus planos contra encarnados, podem causar desde pequeno mal-estar, até doenças as mais graves, não sendo diagnosticadas pela medicina tradicional. Influem em nossos pensamentos, levando ao desgosto pela vida e sugerindo o suicídio, causam apatias, nervosismo e uma gama de outros males, inclusive financeiros.

    O Exu e Pomba-gira de Umbanda, longe de serem aqueles que se vendem por uma garrafa de cachaça para causar estes males listados e muitos outros a nós, encarnados, são os que o combatem. Os espíritos decaídos, cultuados por outras modalidades religiosas, usam os nomes dos Exus de Umbanda para assim ganharem credibilidade frente aos incautos que vão em busca de seus serviços para ferir seus desafetos.

    Existem hoje tendas de Umbanda – se é que podemos as chamar assim – que adotaram o estilo de trabalho de outras religiões, que não são nosso objeto de estudo, e usam os Exus e Pomba-gira para finalidades nada nobres. Somos cientes de que os verdadeiros Exus de Umbanda já os abandonaram, e ficaram os velhacos e sorrateiros malfeitores do astral, utilizando os nomes dos Exus de Umbanda, cobrando vultuosas oferendas para supostos ataques aos inimigos encarnados do solicitante, e tecendo redes que envolvem os desavisados que pactuam com estes espíritos. Afirmamos que a Lei de Causa e Efeito é implacável para todos nós, encarnados e desencarnados.

    Dentro da Lei de causa e efeito, dizemos que também aqui a justiça divina necessita de executores, quando já exista um julgamento nos tribunais cármicos contra algum ser vivente, seja do mundo dos vivos ou dos mortos. Exu e Pomba-gira, sendo também executores do carma, aplicam a sentença já definida a quem se destina. Este fato muitas vezes levou alguns umbandistas a entenderem que estes espíritos causam perturbações, mas na lei que eles seguem e executam, se você pede que seja quebrada a perna de um irmão seu, Exu, que segue e executa a lei de causa e efeito, deve quebrar as duas suas. Portanto, Exu não é nem bom, nem ruim, ele apenas segue e executa a lei.

    Por outro lado, quando Exu está a serviço nas tendas de Umbanda, na prática da caridade e do bem, usa de seu livre arbítrio para esta prática, e como já mencionamos são espíritos em ascensão, em busca de crescimento e evolução e desta forma quitam dívidas anteriores com a lei, e galgam degraus em sua ascensão espiritual.

    Do livro: Umbanda, desafios e soluções, de Michael Pagno